OPINIÃO

Elisa Reifschneider é psicóloga clínica do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos na Universidade de Brasília (CAEP/UnB). Coordenadora do Grupo Entrelinhas

Elisa Reifschneider

 

Quando você pensa em saúde mental, o que te vem à mente? Uma pessoa com depressão? Ansiedade? Transtorno de personalidade? A imagem que você gera ultrapassa o indivíduo?

 

Discursos massificados que perpassam o tema da saúde mental geralmente tem um foco em fatores individuais – transtornos mentais, vivências de vulnerabilidade na história passada, hábitos de saúde... estes fatores são essenciais, é claro, mas o enfoque individual ganha tamanha publicidade que muitas vezes não nos damos conta dos outros elementos silenciados nessa equação. Este ano, o Dia Mundial da Saúde Mental tem por tema o trabalho. Te convido a refletir sobre fatores externos ao indivíduo.

 

Saúde mental e física estão entrelaçadas. Você sabia que estimamos um risco médio cardiovascular aumentado de 30 a 50% em funcionários expostos a um ambiente psicossocial adverso no trabalho?1. Sabia que há um estudo longitudinal evidenciando relação prospectiva e dose-dependente entre a percepção de comportamentos gerenciais (a forma como a chefia atua) e doença cardíaca entre subordinados?2

 

Em bom português: um chefe ruim e um ambiente inadequado não só estão ligados a estresse e burnout, mas também aparentemente aumentam a chance de um indivíduo sofrer um ataque de coração. Diante da profunda influência que a chefia exerce no bem-estar dos subordinados, seria de se esperar que as instituições investissem maciçamente em treinamento gerencial. Que indivíduos em posição de liderança recebessem apoio e treinamento formal em como manejar as próprias emoções para conseguir atuar de forma justa, consistente, calma e efetiva com todos, independente de preferências pessoais. Seria de se esperar que estes indivíduos aprendessem a apoiar a autonomia e as habilidades específicas dos seus subordinados, fossem instruídos sobre negociação de conflitos, comunicação não violenta, fornecimento de feedback. Fossem treinados a respeito de como e o que delegar, como lidar com erros próprios e da equipe.

 

É o que ocorre?

 

Seria de se esperar que as instituições estivessem especialmente engajadas em garantir segurança psicológica nos espaços de trabalho – promover ambientes onde seja possível compartilhar erros, fraquezas, fracassos; ambientes nos quais funcionários possam questionar a chefia sem retaliação ou ameaça. Que se importassem em implementar e comunicar mudanças de forma justa e transparente, que facilitassem processos de adaptação do trabalho devido a necessidades físicas e psicológicas específicas, promovessem a diversidade, reconhecessem de forma justa a contribuição de seus funcionários.

 

O discurso está posto em muitos ambientes, mas é o que ocorre?

 

Seria de se esperar que fossem garantidas condições ambientais mínimas para o trabalho. Estamos aqui falando do básico: fornecimento de água efetivamente potável, garantia de que as temperaturas atingidas no local de trabalho sejam efetivamente toleráveis por períodos sustentados, que haja ventilação e iluminação mínimas e equipamentos em condição de uso. Estas não são condições ideias. São condições mínimas. É urgente confrontar a naturalização da precarização das condições de trabalho e a invalidação da luta por melhorias. Há que se reiterar: melhorias para atingir o mínimo da dignidade no trabalho.

 

Diante de violações institucionais contínuas e sistemáticas não é coerente pensar na desregulação emocional do indivíduo como fenômeno unicamente individual. Não é coerente personalizar sofrimentos que são compartilhados, ainda que muitas vezes mascarados – por medo de represália, rotulação, desvalia. O indivíduo não existe deslocado do espaço físico e social e do tempo que o contém. Saúde mental – ou a falta dela – não ocorre em um vácuo histórico, sociopolítico, econômico, cultural.

 

As instituições precisam se implicar nestas questões. E a universidade precisa estar à frente, não só da reflexão e do debate, mas da implementação de mudanças.

 

Referências

1. Sara, J.D., Prasad, M., Eleid, M.F., Zhang, M., Widmer, R.J., & Lerman, A. (2018). Association Between Work‐Related Stress and Coronary Heart Disease: A Review of Prospective Studies Through the Job Strain, Effort‐Reward Balance, and Organizational Justice Models. Journal of the American Heart Association: Cardiovascular and Cerebrovascular Disease, 7.

2. Nyberg, A., Alfredsson, L., Theorell, T., Westerlund, H., Vahtera, J. & Kivimäki, M. (2009). Managerial leadership and ischaemic heart disease among employees: the Swedish WOLF study. Occupational and Environmental Medicine, 66:51-55.











 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.