Ligia Pavan Baptista
Em evento paralelo ao encontro que reuniu em Nova York representantes de 193 Estados-membros das Nações Unidas para a realização da 79ª Assembleia Geral que ocorreu de 24 a 30 de setembro, o Brasil e a Espanha promoveram o encontro: Dia em Defesa da Democracia: Combatendo os Extremismos, para celebrar a data de 15 de setembro, desde 2007 decretada pelas Nações Unidas Dia Internacional em Defesa da Democracia.
Em 2023 a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em conjunto com mais de 100 sociedades científicas afiliadas, definiu a data 5 de outubro como Dia de Luta pela Democracia no Brasil, em referência à data que foi promulgada nossa Constituição Cidadã em 1988. A iniciativa tem por objetivo tanto valorizar e enaltecer os princípios da democracia, entre eles a paz, os direitos humanos, a liberdade, a igualdade, o exercício da cidadania, quanto refletir e lembrar os horrores da ditadura militar no Brasil, tais como a censura, a tortura, o exílio, as prisões políticas, a cassação de direitos civis e políticos, os assassinatos e o desaparecimento de pessoas.
Atendendo ao convite feito pela SBPC às suas secretarias regionais, sociedades científicas afiliadas, universidades e demais instituições de educação, ciência, tecnologia e inovação, para marcar essa data, neste ano, excepcionalmente, realizada no dia 7 de outubro, o Grupo de Trabalho Filosofia e Gênero da ANPOF – Associação de Pós-Graduação em Filosofia, realizou o painel Mulheres na Ditadura Cívico-Militar Brasileira inserido na programação que contou com um total de 12 atividades virtuais. A palestrante, bacharel em direito e mestranda da UFPE Ana Luísa Ferreira destacou que o tema das mulheres na ditadura brasileira é ainda muito pouco explorado, que há pouca bibliografia a respeito, que está desenvolvendo sua pesquisa com base em jornais impressos da época onde igualmente encontra pouco material. Ressaltou ainda que a violência de gênero na ditadura, assim como em nossos dias está com frequência relacionada à conotação sexual, mencionou a baixa representatividade feminina nas recentes eleições municipais no Brasil e ressaltou a violência política de gênero sofrida pelas candidatas principalmente com o uso das mídias sociais e Inteligência Artificial.
A debatedora professora Susana de Castro, da UFRJ, destacou a importância do tema ser debatido pelas universidades, onde ainda é pouco discutido, lembrando que temos filmes que tratam da temática e que podemos promover debates a partir deles. Chamou a atenção para a falta de punição dos culpados, que até nossos dias não há culpados pelas atrocidades cometidas durante a ditadura militar no Brasil. Como coordenadora da atividade, ressaltei que a mesma foi organizada em tempo recorde, durante a realização das atividades promovidas pelo GT Filosofia e Gênero no XX Encontro da ANPOF, realizado de 30 de setembro a 4 de outubro em Recife-PE. Tentando, de forma sucinta, elaborar uma linha do tempo, destaquei a fundação da cidade de Brasília em 1960, da UnB em 1962, o golpe militar 1964, o AI 5 1968, o processo de abertura democrática a partir de 1978, com a volta dos exilados políticos ao Brasil em janeiro de 1979 no chamado Verão da Anistia, o movimento Diretas Já, de 1983/84, que defendia eleições diretas em 1985, movimento que teve início na cidade de Abreu e Lima em Pernambuco e se espalhou pelas grandes capitais do Brasil e, finalmente, a promulgação da Constituição Federal, que, em 1988, consagrou o processo democrático no país. Destaquei ainda que o paradisíaco arquipélago de Fernando de Noronha até essa data era prisão política e que a história oral conta que muitos presos políticos, antes de chegarem lá, eram jogados ao mar, assim como muitos presos políticos da Argentina foram jogados no rio da Prata.
Lembramos da criação das Comissões da Verdade para exatamente abordar tais temas ainda que hoje estejam desativadas. Lembramos que, recentemente, universidades como UFMG, USP e UnB concederam diplomas póstumos aos seus estudantes desaparecidos. Lembramos das diversas formas artísticas que abordaram a temática da ditadura como no cinema os filmes O desaparecido (1982), de Costa Gravas; O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cao Hamburger, e Ainda estou aqui (2024), de Walter Sales; e nas artes plásticas, como o painel Guerra e Paz de Portinari nas Nações Unidas em Nova York e os Painéis do Kobra pelo Brasil e pelo mundo que ressaltam princípios como tolerância e multiculturalismo.
Sem dúvida, eventos como esse promovidos pela SBPC são relevantes acima de tudo para que a juventude brasileira tenha conhecimento, tanto do período sombrio da ditadura, quanto do processo pela redemocratização do Brasil, definido na Constituição Federal de 88 como um Estado Democrático de Direito. É sempre bom lembrar.
ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.