OPINIÃO

Gabriela Sousa de Melo Mietto é psicóloga, professora do Departamento de Psicologia Clínica na Universidade de Brasília. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Infantil (DPG/CNPq).

 

 

Gabriela Sousa de Melo Mietto

 

No dia 20 de outubro é comemorado o Dia Mundial de Combate ao Bullying. Quando qualquer pessoa da comunidade em geral pergunta para ferramentas gratuitas de busca ou de Inteligência Artificial (IA) disponíveis na internet o significado de bullying, ela vai receber como resposta algo como:

 

- O bullying é a prática de atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, cometidos por um ou mais agressores contra uma vítima específica;

 

- O termo bullying deriva do inglês "bully", que pode ser usado como substantivo ou verbo: 1) Como substantivo, "bully" significa agressor ou valentão; 2) Como verbo, "bully" significa intimidar.

 

Este tipo de resposta gerada pela IA apresenta-se condizente com fontes científicas que desde a década de 1970 cunharam o termo e passaram a investigar o tema sobretudo em ambientes escolares que atendem a infância e adolescência. Podemos entender tal definição como um posicionamento clássico deste fenômeno. Com o avanço da tecnologia e de ferramentas da internet, além da possibilidade de usarmos recursos tais como a IA, citado no início deste texto, avançamos para um espaço de interação mediado pelas tecnologias que também está aberto a situações de violência, denominadas de Cyberbullying. O Cyberbullying, em geral, pode ser compreendido como a vivência do bullying em interações virtuais.

 

No entanto, para quem se dedica à infância e à adolescência nos contextos escolares, seguir fielmente tais definições permite entender as vivências de bullying ou cyberbullying de forma, ouso dizer, estereotipada e nem sempre condizente com o que se observa dentro dos muros escolares e/ou nas redes sociais. O que quero dizer com isto? Temos acompanhado relatos de familiares ou das próprias crianças e adolescentes em sofrimento emocional decorrentes de interações sociais em que não identificamos a existência de um “valentão” ou de uma “valentona”. O perigo do cyberbullying, por exemplo, pode não vir de desconhecidos que abordam crianças e adolescentes na internet, mas, sim, quando seus pares promovem exclusão em ambientes reais e virtuais, ou ainda, quando promovem comentários ofensivos e desrespeitosos em grupos virtuais. Muitas vezes o sofrimento destas crianças e adolescentes é decorrente de vínculos com pessoas, seus pares, em que a convivência observada por profissionais da educação ou familiares é tida como respeitosa, mas se analisada a miúde, caracteriza-se por situações passivo-agressivas.

 

A literatura científica aponta que entre o valentão/valentona (agressor) e a pessoa agredida há um expectador, não diretamente envolvido no ato de bullying, mas que pode validar e reforçar a prática da violência ou interrompê-la, quando não a apoia ou a denuncia, por exemplo. Na complexidade que envolve este fenômeno estamos imprimindo esforços para avançar na compreensão dos laços de amizade na infância e adolescência. Temos indicadores de que o desenvolvimento dos laços de amizade pode atuar como estratégia de combate ao bullying e ao cyberbullying, o que nos permitirá desenvolver estratégias para atuação de profissionais e familiares que lidam com situações preocupantes e, o melhor, auxiliar crianças e adolescentes, sejam vítimas ou causadoras de bullying, a reorganizarem suas relações.

 

Estamos avançando no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que veio para ficar, e para a qual as gerações mais novas não podem ser privadas. Mas não podemos deixar de avançar na compreensão e no fortalecimento de relações afetivas culturalmente tão relevantes, como a amizade, para o bem desta mesma geração e das demais que com ela convivem.

 

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