Dulce Ferraz e Soraya Fleischer
Já virou tradição: com a chegada do mês de outubro, a cor rosa se espalha! Laços, folhetos, faixas e prédios iluminados são algumas das estratégias usadas para chamar a atenção da população sobre a importância do câncer de mama. Sem dúvida, a iniciativa é importante: estamos falando do tipo de câncer mais frequente entre as mulheres no Brasil e também responsável pelo maior número de mortes entre este segmento da população. Precisamos, portanto, falar sobre o câncer de mama - e muito!
Por causa do foco dado ao diagnóstico precoce da doença, grande parte das campanhas realizadas no Outubro Rosa buscam incentivar as mulheres a realizarem mamografias. O exame, sem dúvida, tem sua importância: é bastante eficaz para identificar precocemente alterações na mama em mulheres com mais de 50 anos. É por isso que, baseado nas evidências científicas mais recentes e rigorosas, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) recomenda que a mamografia seja realizada por mulheres entre 50 e 69 anos, a cada dois anos. Fora dessa faixa etária, as recomendações focam no autoconhecimento das mamas e na busca de cuidado médico caso surja algum sinal ou sintoma, como nódulos, secreção, sangramento, vermelhidão ou retração da pele da mama (Inca 2024).
Mas é provável que você já tenha lido a respeito ou mesmo observado ao seu redor que o câncer de mama tem se tornado mais frequente em mulheres mais jovens, com menos de 50 ou mesmo de 40 anos de idade. Essa é uma tendência epidemiológica observada no Brasil (Bonadio et al, 2021) e no mundo (Yuan et al, 2024) e que é acompanhada do aumento da mortalidade pela doença neste grupo da população. São dados que apontam para a necessidade urgente de repensar as estratégias de enfrentamento do câncer de mama, incluindo as mensagens transmitidas durante o outubro rosa.
Contudo, ao contrário do que muitas campanhas realizadas nesse mês sugerem, a solução não está no incentivo indiscriminado à mamografia, e isso por dois motivos principais. Primeiro, a mamografia tem eficácia limitada em mulheres jovens, devido à maior densidade mamária, o que dificulta a distinção entre tecido normal e possíveis alterações. Em mulheres mais jovens, o exame pode gerar resultados pouco confiáveis, levando a diagnósticos equivocados e à exposição desnecessária aos riscos do exame (Migowski, 2021).
Segundo, embora o diagnóstico precoce seja importante, ele é apenas uma etapa no cuidado integral, que deve ser garantido em qualquer faixa etária. Precisamos de políticas públicas que invistam na prevenção primária, abordando os determinantes ambientais, comerciais e estruturais da doença, e não apenas no incentivo a comportamentos individuais saudáveis. Também é crucial assegurar o acesso rápido e de qualidade ao tratamento para todas as pessoas que dele necessitem. O avanço científico tornou o câncer de mama curável na maioria dos casos, mas o sucesso do tratamento depende do acesso ao diagnóstico e ao cuidado oportuno (Caleffi et al., 2021). Atualmente, esse acesso é marcado por profundas desigualdades, com diagnósticos mais tardios entre mulheres menos escolarizadas e distantes dos centros de tratamento (de Almeida et al., 2022), além de maior mortalidade entre mulheres negras (Lemos et al., 2024).
Repensar o enfrentamento do câncer de mama diante do seu crescimento entre mulheres jovens requer um debate público, democrático e baseado nas melhores evidências científicas disponíveis. Deve envolver cientistas, gestores, profissionais de saúde e, claro, as mulheres afetadas pela doença. Foi buscando contribuir com este debate que em 2022 publicamos o livro 180 graus: minhas reviravoltas com o com o câncer de mama (Ferraz, 2022), que pode ser acessado gratuitamente no sítio eletrônico da Nau Editora. O livro, em formato de quadrinhos, acompanha a história de Carolina, uma mulher que é diagnosticada com câncer de mama aos 36 anos e mostra sua experiência com a doença, passando pelo diagnóstico, tratamento e seguimento. É uma ferramenta de divulgação científica, de sensibilização e de educação em saúde, que ajuda a ilustrar vários dos pontos levantados neste curto texto.
O enfrentamento do câncer depende de um sistema de saúde forte, com financiamento adequado e gestão competente e guiada por evidências científicas. Requer, além disso, o fortalecimento de uma intensa rede de proteção social, envolvendo políticas públicas de ciência, tecnologia, saúde, emprego e assistência social, além de estruturas comunitárias e familiares de apoio e cuidado. É preciso nos dedicarmos a esse enfrentamento muito além do mês de outubro e promover muito mais do que mamografias.
Aproveitamos para convidar a comunidade acadêmica para conhecer esta graphic novel. O seu lançamento acontecerá às 15h da terça-feira, 29 de outubro, no Hall de entrada do Prédio da UED, na Faculdade de Ceilândia (FCE/UnB).
Referências
ALMEIDA, R.J. de, MORAES LUIZAGA, C.T., ELUF-NETO, J. de et al. Impact of educational level and travel burden on breast cancer stage at diagnosis in the state of Sao Paulo, Brazil. Sci Rep 12, 8357 (2022). https://doi.org/10.1038/s41598-022-12487-9
BONADIO, R. C., MOREIRA, O. A., & TESTA, L. (2022). Breast cancer trends in women younger than 40 years in Brazil. Cancer Epidemiology, 78, 102139. https://doi.org/10.1016/j.canep.2022.102139.
CALEFFI, Maira, et al. “Breast Cancer Survival in Brazil: How Much Health Care Access Impact on Cancer Outcomes?” The Breast, vol. 54, 1 Dec. 2020, pp. 155–159, www.thebreastonline.com/article/S0960-9776(20)30192-2/fulltext, https://doi.org/10.1016/j.breast.2020.10.001. Accessed 20 Dec. 2021.
FERRAZ, Dulce. 180 graus: Minhas reviravoltas com o câncer de mama. Colaboração: Fabiene Gama e Soraya Fleischer. Ilustração: Camila Siren. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2022. Ebook disponível: www.naueditora.com.br/ebook_gratuito/180-graus-minhas-reviravoltas-com-o-cancer-de-mama/
INCA. Campanha Outubro Rosa, 2024. www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/campanhas/2024/outubro-rosa
LEMOS, L. L. P., SOUZA, M. C., GUERRA, A. A., PIAZZA, T., ARAÚJO, R. M., & CHERCHIGLIA, M. L. (2024). Racial disparities in breast cancer survival after treatment initiation in Brazil: a nationwide cohort study. The Lancet Global Health, 12(2), e292–e305. https://doi.org/10.1016/s2214-109x(23)00521-1
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