OPINIÃO

José Luís Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

José Luís Oreiro

 

Os dados do PIB do terceiro trimestre de 2024 divulgados anteontem pelo IBGE mostram uma economia que apresenta uma notável performance em termos de crescimento. Com efeito, o PIB brasileiro apresentou um crescimento de 0,9% com respeito ao segundo semestre de 2024 e de 4% na na comparação com igual período do ano anterior. Considerando que o crescimento médio da população brasileira foi de 0,52% ao ano no período compreendido entre 2010 e 2022, segundo dados do Censo Demográfico, o crescimento do PIB per capita terá sido de 3,48% na comparação entre o terceiro trimestre de 2024 e o terceiro trimestre de 2023, provavelmente um dos melhores resultados obtidos nos últimos 13 anos.

 

Se a economia brasileira conseguir manter um crescimento do seu PIB per capita à taxa de 3,4% ao ano, o Brasil poderá dobrar a sua renda per capita a cada 20 anos, o que fará com que, no espaço de 30 anos, o país alcance o atual nível de renda per capita da Espanha.

 

Este resultado é ainda mais positivo quando constatamos que, desde o início do governo Lula, o crescimento do PIB a cada trimestre, na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, está se acelerando. O crescimento do PIB passou de 2,4% no quarto trimestre de 2023 para 2,6% no primeiro trimestre de 2024, 3,3% no segundo trimestre do corrente ano e alcançou a marca de 4% no terceiro trimestre. O Brasil está passando por uma fase de aceleração de crescimento que não parece ser o resultado de condições internacionais excepcionalmente favoráveis, como o ocorrido em momentos anteriores de nossa história recente. Pelo contrário, o cenário geopolítico está particularmente complicado devido a tensões crescentes no Oriente Médio, desaceleração do crescimento da economia da China e da União Europeia (UE), além da escalada no conflito militar na Ucrânia.

 

Muitos economistas irão afirmar que o ritmo atual de crescimento da economia brasileira é insustentável pois se trata de um crescimento acima do potencial. Eu discordo desse tipo de análise. O crescimento potencial, ou seja, aquele ritmo de crescimento do produto que é compatível com um crescimento equilibrado da demanda e da capacidade produtiva pode ser avaliado por intermédio do velho, mas ainda atual, modelo de crescimento Harrod-Domar. Com base nele, a taxa de crescimento potencial é determinada pela taxa de investimento, pela relação capital-produto e pela taxa de depreciação do estoque de capital.

 

Os dados apresentados pelo IBGE mostram uma taxa de investimento que está em processo de elevação: a formação bruta de capital fixo como proporção do PIB aumentou de 16,4% no segundo trimestre de 2024 para 17,6% no terceiro trimestre. Considerando um valor de 2,4 para a relação capital-produto no ano de 2021, último dado disponível no site do IpeaData, e uma taxa de depreciação do estoque de capital agregado de 3,5% ao ano, como é usual nos exercícios de contabilidade do crescimento, o valor atual da taxa de investimento é compatível com uma taxa de crescimento de 3,8% ao ano.

 

Outro obstáculo ao crescimento poderia advir do mercado de trabalho. Com efeito, a taxa de desemprego calculada pelo IBGE vem apresentando uma tendência contínua de queda desde o primeiro trimestre de 2022, quando registrou o patamar de 11,1% da força de trabalho. Nos trimestres subsequentes, a taxa de desemprego caiu para 7,9% da força de trabalho no quatro trimestre de 2022, tendo permanecido mais ou menos estável nesse patamar até o primeiro trimestre de 2024, quando reinicia um processo de queda, atingindo 6,4% no terceiro trimestre de 2024.

 

Muitos analistas consideram que esse patamar de desemprego significa que o Brasil alcançou ou está em vias de alcançar o pleno emprego da força de trabalho. Dessa forma, a continuidade do crescimento do PIB nos patamares atuais terminaria por gerar pressões inflacionárias no mercado de trabalho, as quais levariam a uma espiral salários-preços, exigindo maiores doses de taxa de juros por parte do Banco Central.

 

O problema com esse tipo de análise é que a mesma desconsidera que o Brasil, devido a sua heterogeneidade estrutural, possui uma grande massa de desemprego disfarçado, ou seja, de trabalhadores que estão exercendo atividades com baixa produtividade no setor informal da economia por não encontrarem vagas no setor formal. Calcular o tamanho do desemprego disfarçado não é, contudo, tarefa fácil. Aplicando a metodologia desenvolvida por Eatwell e Milgate (2011), Salviano (2024) mostrou que, no primeiro trimestre de 2024, havia mais de 1,4 milhões de desempregados disfarçados no Brasil, ou seja, além dos trabalhadores oficialmente desempregados, segundo a metodologia do IBGE. Dessa forma, ainda parece existir uma ociosidade considerável no mercado de trabalho brasileiro.

 

A restrição ao atual padrão de crescimento da economia brasileira se encontra no setor externo. Com efeito, nos três primeiros meses de 2024, não só as importações vêm apresentando um crescimento sistematicamente maior do que as exportações, como ainda o ritmo de crescimento das exportações está se desacelerando, ao passo que o ritmo de crescimento das importações se acelera. Os dados divulgados pelo IBGE mostra claramente esse fenômeno. A taxa de crescimento das exportações passa de 6,1% no primeiro trimestre de 2024 (na comparação com o mesmo período de 2023) para 4,3% no segundo trimestre e 2,1% no terceiro trimestre. Já as importações seguem o caminho oposto: elas passam de um crescimento de 10% no primeiro trimestre de 2024 para 14,7% no segundo trimestre, alcançando 17,1% no terceiro trimestre.

 

Historicamente no Brasil fases de aceleração de crescimento são abortadas por problemas no balanço de pagamentos, decorrentes quer de um ritmo insustentável de crescimento das importações, ou do baixo dinamismo das exportações, ou de uma deterioração dos termos de troca, ou ainda devido ao aumento da taxa de juros internacional. A desindustrialização prematura da economia brasileira ocorrida desde 2005 levou a uma reprimarização da nossa pauta de exportações, com a consequente perda de dinamismo exportador. 

 

Durante muito tempo esse problema foi mascarado pelo comportamento benevolente do preço dos produtos primários. Ao que tudo indica, com a desaceleração do crescimento da China, essa fase acabou. A partir de agora ou o Brasil retoma o dinamismo exportador, aumentando de forma significativa a participação das manufaturas na pauta de exportação ou então o atual ciclo de aceleração de crescimento será interrompido pela restrição externa.

 

Referências:

1. EATWELL, John; MILGRATE, Murray (2011). The fall and rise of Keynesian economics. Oxford University Press.
2. SALVIANO, H. (2024). Uma análise do multiplicador fiscal brasileiro sob a óptica do desemprego disfarçado. Monografia de Graduação em Ciências Econômicas, Universidade de Brasília.

 

Publicado originalmente, em 05 de dezembro, no portal Valor Econômico.

 

 

 

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