OPINIÃO

Isabela Silveira Rocha é doutoranda no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL-UnB), coordena o Grupo de Trabalho em Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Soberania Internacional do Instituto de Relações Internacionais (GEPSI/IREL) e membra do Núcleo de Pesquisa Informação Pública e Eleições (IPê).

Isabela Silveira Rocha

 

Donald Trump ameaçou impor tarifas de 100% sobre os países do BRICS (os fundadores Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e os novos integrantes Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) caso avancem com planos de criar uma nova moeda que substitua o dólar em transações internacionais. Trump exige que esses países se comprometam a não desenvolver uma moeda alternativa ao dólar, ameaçando impor tarifas de 100% sobre os produtos dos países BRICS+, restringindo o acesso ao [sic] maravilhoso mercado americano. Em resposta, o Kremlin afirmou que tentativas dos EUA de forçar o uso do dólar são contraproducentes, uma vez que essa estratégia pode justamente acelerar os esforços de desdolarização e fortalecer a busca por um sistema financeiro internacional mais multipolar.

 

A proposta de uma moeda comum entre os países do BRICS visa reduzir a dependência do dólar e mitigar os efeitos de sanções econômicas impostas pelos EUA – no entanto, esta não é a pauta central do New Development Bank (NDB), comumente conhecido como o “Banco dos BRICS”, e, em verdade, uma moeda comum aos países BRICS+ ainda deve tardar a surgir. O que o banco realmente busca é diversificar as fontes de financiamento e reduzir a dependência de moedas dominantes, como o dólar, por meio da emissão de títulos em moedas locais e do financiamento de projetos estruturais de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Atuando como um catalisador para a estabilidade econômica e a cooperação multilateral, o NDB fortalece e visa fortalecer ainda mais a capacidade dos países membros de enfrentar desafios globais, ampliando os mecanismos financeiros disponíveis e estimulando uma transição para um sistema financeiro internacional mais equilibrado e multipolar.

 

Mas como fica o Brasil, com isso?

 

Ainda que o mercado de exportação brasileiro tenha os EUA como segundo maior cliente, o comércio com a China, principal parceiro econômico do Brasil, supera amplamente as relações comerciais com os americanos. Além disso, os novos membros do BRICS, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, ampliam as possibilidades de diversificação das exportações brasileiras, fortalecendo a integração com economias emergentes. Ou seja, essa nova dinâmica torna a ameaça de Trump fraca, dado o crescente alinhamento econômico entre os membros da união.

 

E também vale mencionar: a própria ameaça de Trump não é condizente com o princípio universal de Liberdade de mercado, uma vez que representa uma tentativa de coerção econômica – o que contraria os ideais liberais defendidos historicamente pelos EUA. Afinal, não seria a América a maior defensora das leis de mercado, da livre concorrência justa e da ausência de coerção do Estado perante a economia? Certamente, não deveria ser o mérito do melhor produto – ou a melhor moeda – o que deveria garantir a supremacia no mercado?

 

Se competição é realmente o pilar dos ideais liberais e do liberalismo econômico, tão preciosos para os EUA, que o dólar se prove como a melhor moeda em um ambiente de livre concorrência, sem coerção ou sanções econômicas forçadas. E com a mínima intervenção do Estado Americano, de bem acordo com o cânone do liberalismo econômico.

 

Em suma, ao impor barreiras tarifárias como retaliação contra iniciativas soberanas de outros países, os Estados Unidos demonstram uma postura protecionista e autoritária, minando os fundamentos de competição justa tão defendidos pelo modelo econômico capitalista. E essa contradição expõe um declínio na adesão dos EUA a seus próprios valores declarados, demonstrando novamente a crise sofrida no seio do próprio país.

 

Isso apenas reforça a necessidade de diversificação econômica e a busca por um sistema financeiro mais equitativo, onde o poder esteja distribuído entre diferentes polos globais. O bravado de Trump cheira a medo ao revelar uma insegurança em relação à hegemonia do dólar, buscando mantê-la não por mérito, mas por imposição. Ironicamente, essa estratégia acaba sendo um catalisador para a desdolarização, incentivando os países do BRICS a explorarem alternativas que promovam maior autonomia financeira.

 

Vinda de um presidente supercapitalista que deveria, em teoria, exaltar os benefícios de uma economia global competitiva, essa abordagem contradiz os próprios ostensivamente defendidos pela América, sugerindo que a liberdade de mercado é uma bandeira seletiva para os interesses americanos.

 

O que não surpreende.

 

Mesmo que a moeda dos BRICS+ ainda tarde a ser desenvolvida, o NDB já atua como um mecanismo importante de financiamento para os países-membros, reduzindo a dependência de instituições financeiras tradicionais, como o FMI e o Banco Mundial, frequentemente alinhadas aos interesses norte-americanos, já utilizando moedas locais em algumas operações, o que representa um passo importante rumo à desdolarização. Através desta iniciativa, é fortalecida a autonomia financeira dos países do BRICS+ e se estabelecem as bases para futuras iniciativas de integração monetária, desafiando a hegemonia coercitiva dos EUA de forma consistente.

 

Trump faz o que sempre fez: reage com bravado diante daquilo que mais teme: a perda da hegemonia norte-americana no cenário global agora que voltou a ser presidente. Suas ameaças não são apenas uma tentativa de manter o dólar como a moeda dominante, mas uma confissão de que o avanço do BRICS+ representa um desafio real ao poder dos EUA.

 

Ele sabe que o mundo já é Multipolar. E diante desta realidade, teme não poder controlá-lo a partir de seu mandato em 2025.

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