OPINIÃO

Lucas Lima Jansen é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Universidade de Brasília. Professor nos cursos de Publicidade e Jornalismo na Estácio Brasília.

Lucas Lima Jansen

 

No mesmo dia, 07 de janeiro, em que a Meta (detentora das plataformas: Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp) divulgou o fim do sistema de checagem de fatos, a Big Tech também anunciou alteração nas políticas de discurso de ódio. Essa mudança, que se inicia nos Estados Unidos, levanta questões sobre o futuro da moderação de conteúdo nas redes sociais. Considerando a atuação global da Meta, é importante observar seu posicionamento, que pode influenciar as políticas em outros países, em especial aos direitos e garantias das pessoas LGBTI+.

 

De acordo com Joel Kaplan, Vice-presidente Global Affairs, “Permitiremos que as pessoas se expressem mais. [...] Estamos eliminando uma série de restrições em tópicos como imigração, identidade de gênero e gênero que são frequentemente objeto de discurso político e debate”1.

 

“Vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas norte-americanas e pressionando por mais censura. Os Estados Unidos têm as proteções constitucionais mais fortes do mundo para a liberdade de expressão”. A afirmação de Zuckerberg demonstra seu alinhamento com o ideário de Trump e Elon Musk, em uma convergência que preocupa. A nova política da plataforma de aparente “mais expressão e menos erros” levanta questões sobre a liberdade de expressão e a moderação de conteúdo. A menção direta ao X, antigo Twitter, reforça essa ideia: “as notas da comunidade, assim como fazem no X, exigirão consenso entre pessoas com uma ampla gama de perspectivas para ajudar a prevenir avaliações tendenciosas”.

 

Considerando o posicionamento da plataforma e sua relação com a política global, cumpre analisar os impactos dos discursos que propagam desinformação e preconceito contra pessoas dissidentes em gênero e sexualidade. As plataformas se tornaram um campo de batalha nesse debate, e a forma como a Meta modera o conteúdo pode ter consequências para a vida dessas pessoas.

 

Embora relacionamentos homoeróticos sempre tenham existido, a homossexualidade e outras dissidências de gênero e sexualidade foram medicalizadas e patologizadas no final do século XIX, como forma de discriminar pessoas que não se encaixavam no padrão cis-heteronormativo. O discurso médico e jurídico da época, como bem pontua o filósofo francês Michel Foucault, contribuiu para a construção da homossexualidade como um desvio ou doença. Desde então, há relatos de inúmeros casos de homotransfobia, marcados tanto por discursos de ódio quanto por violência física.

 

Considerando a íntima relação entre a violência discursiva e a física, vamos nos concentrar naquela que ocorre nos ambientes digitais. As plataformas digitais, em sua arquitetura, permitem a circulação de conteúdo para que seus usuários interajam. Observe que a preocupação não é com a relevância ou veracidade da informação. O objetivo é que o conteúdo alcance o maior número de pessoas, que irão com ele interagir. Essa lógica, que privilegia o engajamento em detrimento da qualidade da informação, cria um ambiente propício para a disseminação de discursos de ódio e preconceito.

 

A criação de um ambiente polarizado, que incita discussões acirradas e pautadas no desrespeito e no ódio, é uma estratégia para gerar a interação desejada por essas plataformas. Fica evidente, portanto, que a preocupação central dessas plataformas não é com a liberdade de expressão. Seu objetivo é gerar interação para extrair dados dos usuários, compreendendo suas perspectivas políticas, hábitos de consumo etc. O caso do Facebook e da Cambridge Analytica, em que dados de milhões de usuários foram utilizados para influenciar eleições, ilustra bem essa problemática. Lembremos que a Cambridge Analytica coletou dados de usuários do Facebook sem o seu consentimento e os utilizou para criar perfis psicológicos e direcionar propaganda política durante as eleições presidenciais dos EUA em 2016. Esse escândalo evidenciou o poder das plataformas digitais na manipulação da opinião pública e o risco à democracia.

 

Neste artigo de opinião, aprofundar a discussão é tarefa árdua, mas reitero entendimentos anteriores de que essas plataformas devem ser responsáveis pelo conteúdo que nelas circula. O argumento de que são apenas “empresas de tecnologia” não se sustenta, pois, na verdade, também atuam como meios de comunicação e, portanto, devem ser responsabilizadas pelo conteúdo que circula em suas plataformas. As Big Techs têm totais condições de criar mecanismos e aparatos de monitoramento e checagem de conteúdo para prevenir discursos violentos contra qualquer grupo vulnerabilizado. É preciso que haja mecanismos de responsabilização para que essas empresas invistam em moderação de conteúdo e prevenção à disseminação de discursos de ódio.

 

A comunidade LGBTI+, especialmente as pessoas trans e travestis, é constantemente colocada em mira. A falta de regulação e o ambiente discursivamente violento favorecem a criação de um pânico moral. Essa atmosfera contribui para a eleição cada vez mais forte de um inimigo em comum. Lembremos dos casos em que um casal heterossexual foi flagrado tendo relações sexuais no banheiro de um avião e saiu aplaudido pelos demais passageiros, em contraposição ao “absurdo” de homens gays que faziam sexo casual em local público no Arpoador, no Rio de Janeiro. Não quero incentivar a prática de sexo em público, mas demonstrar que existem dois pesos e duas medidas. A criminalização e a estigmatização da sexualidade de pessoas LGBTI+ contribuem para essa perpetuação da violência e da discriminação.

 

Enquanto movimento social organizado, a comunidade LGBTI+ segue lutando por direitos básicos, não por privilégios, mas pelo simples direito de expressar afeto sem discriminações e violências. Como diz Foucault, “onde há poder, há resistência”. Logo, onde houver ambientes que permitam a LGBTI+fobia, haverá um movimento social organizado e atuante na luta contra a discriminação e a violência. A resistência se manifesta em diversas formas, desde a denúncia de casos de LGBTI+fobia até a organização de manifestações e campanhas de conscientização. Stonewall segue vivo.

 

Referência

1. Disponível em: https://about.fb.com/br/news/2025/01/mais-expressao-e-menos-erros/. Acesso em: 08 jan. 2025.

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