OPINIÃO

Francisco Thiago Silva é professor e atual chefe do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação (FE) na UnB. Líder do grupo de pesquisas: “Currículo e Processos Formativos”.

Francisco Thiago Silva

 

Desde o ano de 2019, o mundo comemora essa data instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), cujo significado é lembrar que o papel da Educação é garantir a paz mundial e o desenvolvimento sustentável do planeta.

 

Contudo, temos enormes desafios reconhecidos pela ONU, como o fato de que 258 milhões de crianças e jovens ainda não frequentam a escola; outras 617 milhões de crianças e adolescentes não sabem ler ou fazer contas básicas. No Brasil, o Censo Escolar (2023) revelou o seguinte cenário: nas escolas de educação infantil, apenas 57,7% oferecem banheiros adequados; em um ano, as escolas públicas perderam 500 mil estudantes, enquanto as privadas receberam 423 mil e, ainda, quase 9 milhões de brasileiros entre 18 e 29 anos não concluíram o ensino médio.

 

Queremos lembrar um aspecto fundamental da data: não podemos cair na armadilha da ideia salvacionista de que seria nossa responsabilidade resolver as questões graves que atualmente afligem o nosso mundo. Reconhecer os problemas estruturais da sociedade e compreender que eles passam por todas as instituições, inclusive a escola, é um primeiro passo. No entanto, queremos problematizar essa data, tão importante, para que ela não caia no relativismo de uma festividade. Diríamos que temos três grandes catástrofes que merecem a nossa atenção como sujeitos sociais: a questão ambiental, a tecnológica e a democrática.

 

Sobre a primeira, não restam dúvidas de que os eventos climáticos, vividos em nosso cotidiano e registrados pela Ciência, revelam o quanto a sustentabilidade ecológica não pode mais esperar, já que não temos um “plano B”, a Terra grita por socorro e isso é uma questão de política social global.

 

O segundo tema, de caráter planetário sobre o uso crítico das tecnologias e como isso tem afetado as relações pessoais, é pauta da própria ONU ao batizarem esse ano sua campanha do dia Internacional da Educação com o tema IA e Educação: Agência Humana em um Mundo Automatizado. A ideia é estimular debates da necessidade de que o assunto chegue mundo a fora.

 

O último item dessa pauta é a percepção de como a democracia mundial e local tem sido atacada. Inúmeros avanços de ideias extremistas têm resgatado o que há de pior na humanidade. Um saudosismo preocupante com certos regimes, o que denominamos, em pesquisa anterior, de “nazi-fascismo à brasileira” (Silva, 2024).

 

Temos visto uma retomada, em vários continentes, do poder por grupos com ideias ufanistas e com forte apelo a ideias de velhas formas de governar que aniquilam qualquer ideia que celebre a democracia ou as diferenças. E, em um país tão desigual, ex-colônia, que viveu uma dura ditadura militar como o nosso e que amarga índices nada dignos de comemoração, precisamos estar vigilantes para que os atores sociais implicados com a política educacional sejam sensíveis ao pressuposto básico de que Educação é um direito humano inegociável, um bem político e público, e, se não estiver ao lado das ideias democráticas que priorizem o humano, não é Educação, e, portanto, não há o que se comemorar.

 

Como professor há 24 anos, eu escolho lutar ao lado daqueles que acreditam em uma Educação transformadora, mas não sozinha. Na conjuntura de pensarmos uma sociedade que tem um modo econômico desigual em sua gênese e que desemboca em uma Educação também desigual para, a partir daí, podermos iniciar as celebrações bem lúcidas e esperançosas, como diria o saudoso Paulo Freire, sem perder de vistas, jamais, o poder transformador da Educação em favor da Democracia!

 

Referências

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica 2023. Brasília, DF. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_censo_escolar_2023.pdf. Acesso em: 30 ago. 2024.

SILVA, Francisco Thiago. Educação e a luta antinazifascista no Brasil: implicações para o campo dos estudos curriculares na voz de estudantes de mestrado e doutorado. Acta Scientiarum. Education, 46(1), e68009, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.4025/actascieduc.v46i1.68009.

 

 

 

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