OPINIÃO

Andrea Barretto Motoyama é professora do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.

Andrea Barretto Motoyama

 

O Dia Mundial de Combate ao Câncer (4 de fevereiro) é um convite à reflexão sobre essa doença e onde nos encontramos na guerra para vencê-la. Câncer é um termo genérico que abrange mais de 100 doenças diferentes. Em comum, elas têm a proliferação celular descontrolada – seja porque a velocidade de replicação celular está aumentada, seja porque as células que deveriam morrer ou entrar em permanente dormência passaram a evitar tais processos.

 

Atualmente, no mundo, existem mais de 20 milhões de pessoas vivendo com câncer. No Brasil, são diagnosticados, anualmente, cerca de 700 mil novos casos. Já a mortalidade anual por neoplasias alcança 9,7 milhões de pessoas no mundo e cerca de 230 mil pessoas no Brasil. Isso faz com que o câncer seja considerado a segunda causa de morte no mundo, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares conjuntamente computadas.

 

Dessas mortes, acredita-se que entre 15 e 40% seriam evitáveis com a adoção de medidas que vão desde a prevenção contra os fatores de risco, o rastreamento e diagnóstico precoce, até tratamentos mais avançados e personalizados. As medidas de prevenção de longo prazo são: não fumar, limitar o consumo de álcool e carnes processadas, manter atividade física rotineira e peso corporal sob controle, e proteger-se da radiação solar. Já medidas de prevenção que envolvem a saúde pública incluem a vacinação1 de meninos e meninas contra as formas de alto risco do HPV, que é principal fator etiológico do câncer do colo de útero (entre outros tipos).

 

Cabe notar que a mortalidade não é igual para todos os tipos de câncer. Tipos tumorais bem conhecidos (como mama, próstata, colorretal) tiveram sua mortalidade reduzida2, justamente porque o conhecimento minucioso de sua biologia tumoral se traduziu em diagnósticos mais precoces e precisos, bem como tratamentos direcionados e eficazes. Por outro lado, a ausência de conhecimento específico (como alterações moleculares e biomarcadores típicos) faz com que alguns tipos de câncer ainda tenham mortalidade muito elevada (ex: câncer de pâncreas). 

 

O que se busca, então, é fazer com que todos os tipos de câncer sejam conhecidos detalhadamente, o que facultaria o desenvolvimento de métodos diagnósticos e terapias melhores. Ou seja, se a “Medicina de Precisão” (fornecer o tratamento correto, em dose correta, no momento certo ao paciente específico) já é realidade para alguns tipos tumorais, o que se deseja é estender tal cenário a todos os tipos, a todos os pacientes.

 

Duas tecnologias podem auxiliar nesse avanço: o uso de genômica, sobretudo de painéis de genes que se encontram frequentemente alterados no câncer e a “biópsia líquida”. Alguns painéis genéticos já estão comercialmente disponíveis e aprovados por agências reguladoras como Anvisa e FDA3 desde o início dos anos 2000. Estão, porém, limitados pelo tipo de tumor para o qual podem ser utilizados (ex: câncer de mama), e pelo custo, ainda bastante elevado. Isso não impede, no entanto, que pesquisas sejam feitas na busca de novos painéis genéticos, sobretudo para os tipos tumorais para os quais os conhecimentos são insuficientes, e/ou para realizar o acompanhamento da resposta dos pacientes ao tratamento em tempo real (vs somente após longos intervalos, como de costume). Tal estratégia complementar de acompanhamento tem sido exitosa.

 

Já a biópsia líquida é uma tecnologia relativamente nova, que tem sido empregada, na maioria das vezes, em fase experimental ao redor do mundo. Ela baseia-se na análise de qualquer líquido corporal (sangue, urina, saliva etc.) para identificação de células tumorais ou biomoléculas que permitam realizar diagnóstico ou prognóstico com maior precisão. As biomoléculas podem ser ácidos nucleicos (DNA ou RNA), lipídeos, proteínas, peptídeos, abrindo um grande leque de biomarcadores. As grandes vantagens da biópsia líquida são: 1. ser um método não invasivo e 2. permitir a retestagem frequente – algo extremamente útil no acompanhamento do paciente durante seu tratamento contra o câncer. Em alguns casos, o uso da biópsia líquida pode ainda prever a recidiva (volta) do câncer antes mesmo de o paciente apresentar sintomas, o que possibilita a adoção de medidas terapêuticas de forma precoce. 

 

A nível nacional, hospitais particulares de ponta já adotam essas medidas complementares (painéis genéticos e biópsia líquida) para praticar a medicina de precisão. No SUS, de maneira muito pontual, elas também começam a surgir, principalmente nas formas de colaborações de pesquisa ou ensaios clínicos. Na UnB, no Laboratório de Patologia Molecular do Câncer da FS, temos projetos de pesquisa que utilizam essas tecnologias, na busca de marcadores genéticos que possibilitem um tratamento direcionado ao paciente, bem como um conhecimento mais profundo daqueles tipos tumorais que ainda permanecem obscuros.

 

Assim, olhando passado e o presente, as perspectivas futuras de combate ao câncer são promissoras. Os atuais medicamentos antineoplásicos, por serem “alvo-específicos”, tendem a ser mais eficazes e causar menos efeitos adversos. O uso da imunoterapia tem se estendido a vários tipos tumorais. E, por fim, tecnologias com a células CAR-T4, apesar das dificuldades técnicas e custo elevadíssimo, tem trazido a cura para neoplasias hematológicas. Sem dúvida, o futuro do combate ao câncer pode ser esperançoso!

 

 

1 HPV = papilomavirus humano. A vacina tetravalente contra HPV está disponível no SUS para pré-adolescentes, e fornece proteção contra os dois dos tipos mais prevalentes e de alto risco de ocasionar câncer. A vacina nonavalente encontra-se disponível em clínicas particulares.

2 Atualmente, a taxa de sobrevida para pacientes com câncer colorretal é superior a 65% e para mama e próstata, superior a 85%.

3 FDA = Food and Drug Administration – agência norte americana que regulamenta a aprovação de medicamentos, suplementos e alguns alimentos nos Estados Unidos da América.

4 A tecnologia das células CAR-T envolve a retirada de células do próprio paciente, a modificação delas em laboratório para que reconheçam e combatam as células tumorais, e a reintrodução das células modificadas novamente no paciente. É uma tecnologia utilizada somente em pacientes com neoplasias hematológicas, que não respondem a outros tipos de terapias. No Brasil, além de algumas indústrias farmacêuticas, tem sido realizado pelo Instituto Butantan (SP) e pelo Hemocentro da USP de Ribeirão Preto (SP).



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