Norma Diana Hamilton
A celebração do Dia Internacional contra a Discriminação Racial, o dia 21 de março, é importante para a visibilidade das lutas dos povos negros do Brasil. O país já comemorava a data estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, mas passou a ser oficialmente reconhecida em 2023, com a sanção da Lei 14.519/23, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que instituiu o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.
O Brasil mantém compromisso com os tratados internacionais da ONU, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, por meio da criação de mecanismos políticos, instituições e políticas públicas, que alcançam a União, os estados e os municípios.
É importante destacar a atuação de movimentos negros no Brasil, que têm desempenhado um papel fundamental para assegurar que a criação dos mecanismos políticos contra a discriminação racial contemplasse as especificidades das realidades dos povos negros do Brasil. Grupos como o Movimento Negro Unificado (MNU), o Movimento de Mulheres Negras e o Movimento de Quilombos têm atuado para que o discurso universalista de direitos humanos (DH) não mascarasse as relações raciais de dominação. Santos (2018) mostra que isto tem sido uma preocupação da comunidade negra e defende a necessidade de mantermo-nos críticas(os) à proposta da universalização retórica relacionada aos DH.
Quanto à perspectiva geral universalista, Neres (2025), baseando-se no pensador sul-africano Mogobe Ramose, defende a ideia do “pluriverso” que, diferente de “universo”, contempla um alcance plural e, dessa forma, “acentua a importância existencial de todos os seres da realidade cósmica” (NERES, 2025, p. 2). Em assonância com essa cosmo-percepção, entendo que, ao tratar dos direitos humanos, faz-se necessário partir de uma perspectiva pluriversal que possa dar conta das múltiplas realidades dos povos negros no Brasil.
Uma dos políticas mais recentes referente ao âmbito escolar brasileiro, que busca alcançar, na minha perspectiva, a pluriversalidade das vivências das(os) jovens negras(os), é a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (PNEERQ), instituída pela Portaria nº 470 em maio de 2024. O objetivo da política inclui a implementação e monitoramento de ações, programas e leis voltadas para a eliminação dos diferentes tipos de desigualdade étnico-racial, com uma coordenação necessariamente específica para a educação escolar quilombola.
Os desafios da PNEERQ estão relacionados ao diagnóstico e monitoramento de leis como a 10.639/2003, que preconiza a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira; à baixa formação de gestores e docentes quanto à Educação para Relações Étnico-Raciais (ERER) e Educação Escolar Quilombola (EEQ); ao carecimento de infraestrutura nas escolas quilombolas; e à falta de protocolos para a redução das desigualdades étnico-raciais.
Os supracitados são desafios para a sociedade, e por tanto, para a universidade/ pluriversidade. A Universidade de Brasília (UnB) tem a obrigação de contribuir para a resolução dos impasses relacionados às desigualdades étnico-raciais no âmbito escolar, assim como na sociedade maior. Ela tem atuado de diferentes formas, como por exemplo, por meio do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), fundado em 1986 no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam). Profissionais do núcleo desempenharam papeis fundamentais, para que a UnB fosse uma das primeiras universidades a implementar cotas para estudantes negros (desde 2008), e a realizar bancas de heteroidentificação.
Hoje a UnB conta com diferentes projetos e comissões para a (trans)formação continuada relacionada à ERER e ao monitoramento das políticas públicas, para a eliminação da desigualdade étnico-racial. Toda a comunidade universitária está convidada a conhecer os projetos e a contribuir!
Referências
NERES, Manoel. Pluriversalidade do sere concepção de espaço na cosmopercepção quilombola.PatryTer –Revista Latinoamericana e Caribenha de Geografia e Humanidades, 8(15), e51344, 2025. https://periodicos.unb.br/index.php/patryter/article/view/51344/41568
SANTOS, Ivair Augusto. Teoria Crítica de Direitos Humanos no Brasil e a Luta Contra Racismo In OLIVEIRA, Jurema. Africanidades e brasilidades: culturas e territorialidades / (org.), Rio de Janeiro: Dialogarts , 2015.
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