OPINIÃO

Alexandre Pereira da Rocha é professor no Instituto de Ciência Política na Universidade de Brasília (IPOL/UnB). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, criminalidade, polícia, estudos comparados.

Alexandre Pereira da Rocha

 

Papa Francisco, falecido no último dia 21 de abril, teve um ministério marcado pela discussão da melhor política. O pontífice foi caracterizado por ideais e ações progressistas, os quais convidaram a Igreja Católica e seus fiéis para um enfrentamento fraterno de injustiças, moléstias, misérias e violências que assolam milhares de almas e corpos. E para Francisco, um dos caminhos seria o da política. Por conta disso, temas políticos foram recorrentes em suas cartas, homílias, mensagens e atitudes. Assim, Francisco cravou o sentido da política como um serviço em prol da caridade e da busca do bem comum.

 

Entre muitas ocasiões, Papa Francisco exaltou a política. Também criticou os seus vícios, sobretudo quando ela é usada para benefícios pessoais ou corruptos; ou seja, mera politicalha, no dizer de Rui Barbosa1. Daí, Francisco criticou a política mesquinha fixada no interesse imediato e oposta à grandeza de buscar valores públicos. Desse modo, desde a exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013), o pontífice ressaltava que a “política é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum”2.

 

A visão de Francisco sobre política como vocação se aproxima da do sociólogo Max Weber. Em ambos, a vocação para a política se assemelha a um sacerdócio, um chamado. Mas, para Weber, o homem político deveria ter paixão e responsabilidade pelo que faz, inclusive coragem para tomar decisões de caráter duvidoso3. Já para Francisco, a vocação da política se fundamenta na capacidade de servir ao próximo. Assim, adverte o pontífice: “a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição”4.

 

Diferente da tradição de filósofos e operadores da política que a expressam como luta pelo poder, ou ainda, uma forma de dominação na qual poder e violência são indissociáveis; a política ensinada pelo Papa Francisco é a de serviço. Ademais, de ofício para a paz e busca pelo bem comum. Nesse contexto, para o pontífice, o poder como manifestação política existe para melhor servir. Essa visão ressignifica o poder na mesma linha do filosofo latino-americano Enrique Dussel, para quem o poder deve ser obediencial, pois “os que mandam devem mandar obedecendo”5.

 

A boa política para Francisco é entendida como rota para paz, como “grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos”6. O pontífice defende a não violência como estilo para uma política de harmonia, pois bombas e armas não podem trazer a paz. Aqui não significa passividade, mas, no dizer de Francisco, disponibilidade a dobrar-se para curar as feridas do mundo. Destarte, a política é uma ação fundamentada no amor e na compaixão em busca da paz, dado que “guerras são a derrota da política”7.

 

Vale destacar a carta encíclica Fratelli Tutti (2020)8, pois é um texto essencial para compreender a política de Francisco. Nela o pontífice discorre o que seria a melhor política, com sendo aquela devotada ao bem comum, a qual valorize a geração de trabalho e renda, a inclusão social, a diversidade e a caridade social. Aborda também a política necessária, como aquela que não se submete à uma economia utilitarista. E, sobretudo, ressalta a política como forma de caridade, inclusive, chama de “amor político”. Desse modo, em Fratelli Tutti ele convida a revalorizar a política por ser uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum.

 

Boa parte das ideias políticas da Fratelli Tutti já constava noutros documentos, homilias e discursos, o que possibilitou a Francisco desenvolver um arcabouço teórico fundamentado no amor, na caridade e na fraternidade. É uma teoria política a partir do Evangelho, porém essencialmente humana, isto é, de carne e osso. Com isso, para ele política não é mera forma de administração do poder, contudo recurso material para a busca do bem comum. Assim, ela é orientada para ação, porquanto a “realidade é mais importante do que a ideia”9.

 

Papa Francisco busca o sentido da política da mesma forma que a filosofa Hannah Arendt. Ela apontava que a política surge entre-os-homens e se baseia na pluralidade de pessoas10. Já para Francisco, “a política é, antes de tudo, a arte do encontro”11, aliás, um encontro que promove reflexão e ação. Com efeito, na mesma linha de Arendt, para Francisco a política não é propriedade do homem atomizado, porém encontro de pessoas numa sociedade fraterna.

 

Por fim, frente a tantas realidades políticas corrompidas, egocêntricas, rentistas e desesperançadas, o magistério do Papa Francisco propõe uma ciência da política orientada para vocação de serviço. Nela, destaca-se a capacidade de inspirar e mover seres humanos na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e voltada para o bem de todos. Assim, Francisco traça a melhor política, a qual é de inclusão e não de descarte, é de paz e não de guerra, é de amor e não de indiferença, é de acolhimento e não de discriminação, é de serviço e não de privilégio.

 

Referências

1. Barbosa, R. A questão social e política no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2010, 77 p. ISBN 978-85-7982-074-8. Available from SciELO Books 

2. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM DO SANTO PADRE FRANCISCO. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html

3. Weber, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 2011.

4. A boa política está ao serviço da paz. Mensagem do Santo padre Francisco para a celebração do dia mundial da paz. Vaticano. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20181208_messaggio-52giornatamondiale-pace2019.html

5. 20 Teses de politica la ed. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO: São Paulo: Expressão popular, 2007

6. Dia Internacional da Não-Violência: de Ghandi a Papa Francisco. Vaticano. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2018-10/nao-violencia-dia-internacional-ghandi-papa-francisco.html

7. Vaticano: Papa diz que política é «forma mais alta» da caridade. Disponível em: https://agencia.ecclesia.pt/portal/vaticano-papa-diz-que-politica-e-forma-mais-alta-da-caridade/

8. FRATELLI TUTTI. Santo Padre Francisco. Vaticano. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html

9. O Papa: a política é a arte do encontro, reflexão e ação. Vaticano. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-05/papa-francisco-fraternidade-politica-jovens-chemin-neuf.html

10. Arendt, Hanna. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

11. discurso do Papa Francisco aos membros da fraternidade política Chemin Neuf. Vaticano. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2022/may/documents/20220516-chemin-neuf.html

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