OPINIÃO

Jéssica Louza Pereira é relações públicas na Secom/UnB. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania do Ceam/UnB.

Jéssica Louza Pereira

 

Neste Maio Verde — mês dedicado à conscientização sobre a doença celíaca — é fundamental trazer à tona reflexões sobre o direito à alimentação adequada. A doença celíaca é uma condição autoimune desencadeada pela ingestão de glúten — uma proteína presente no trigo, na cevada e no centeio. Como uma pessoa diagnosticada com a condição celíaca, eu sinto a necessidade de compartilhar alguns pontos importantes sobre essa doença, ainda bastante invisibilizada, que impacta profundamente a vida de milhões de pessoas no Brasil.

 

Com base em uma prevalência mundial estimada em cerca de 1% da população, a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA) calcula que existam atualmente aproximadamente 2 milhões de celíacos no país. Contudo, cabe ressaltar um dado preocupante trazido pela Federação: cerca de 80% dessas pessoas com a condição celíaca ainda estão sem diagnóstico.

 

Esse diagnóstico exige uma combinação de avaliação clínica e de exames laboratoriais, já que os sintomas, quando existentes, podem variar significativamente, sendo em muitos casos confundidos com outras doenças. Assim, receber o diagnóstico é apenas o início de uma jornada complexa. A insegurança alimentar é uma constante na vida de quem convive com a condição celíaca. Não basta apenas excluir alimentos com glúten, é necessário cuidar também da chamada contaminação cruzada, isto é, o contato indireto com a proteína por meio de utensílios, superfícies ou alimentos preparados no mesmo ambiente.

 

Recentemente, um caso emblemático ocorrido em uma escola pública de Araucária, no Paraná, chamou atenção para a fragilidade do sistema em garantir alimentação adequada e segura às crianças celíacas. Uma mãe foi questionada por enviar lanche de casa para sua filha de 9 anos, diagnosticada com a condição. O Conselho de Alimentação Escolar chegou a acionar o Ministério Público do Paraná contra a mãe, que vinha lutando para que a filha pudesse levar refeições seguras à escola após exames indicarem sinais de contaminação cruzada nos alimentos fornecidos pela instituição. Os membros da escola e da justiça parecem não compreender a complexidade do caso, tampouco os desafios emocionais e financeiros da dieta sem glúten para as famílias.

 

A luta dessa mãe pelo direito à alimentação segura para sua filha gerou indignação, uma vez que, ao invés de ser acolhida pela Administração Pública, foi questionada pelas instituições que deveriam cuidar da implementação dos direitos de sua filha. Isso reforça a necessidade de políticas públicas elucidativas e inclusivas que garantam o direito à saúde e à alimentação adequada de todos os cidadãos.

 

É preciso reforçar que a dieta sem glúten, para quem tem doença celíaca, não é uma escolha: é um requisito essencial à vida, já que a alimentação sem glúten é a única forma de controlar a doença. Apesar disso, os alimentos seguros para as pessoas com a condição celíaca tendem a ser mais caros, assim como o acesso a estabelecimentos seguros, isto é, livres de contaminação cruzada ainda é bastante limitado no Brasil.

 

Nesse contexto, destaco uma ideia legislativa para isenção de impostos sobre farinhas e pães sem glúten. O objetivo é equiparar esses produtos aos seus equivalentes com glúten, que já contam com isenções fiscais, tornando-os mais acessíveis para pessoas com doença celíaca. A proposta já alcançou os 20.000 apoios necessários no último mês e aguarda envio à Comissão de Direitos Humanos para se tornar uma proposição legislativa e ser debatida pelos senadores.

 

Em suma, neste Maio Verde a nossa luta é por inclusão, conhecimento, informação e políticas públicas efetivas. A alimentação adequada e segura não pode ser um privilégio — deve ser um direito garantido a todos, sobretudo para aqueles cuja vida depende disso.

 

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