OPINIÃO

Elton Bruno Pinheiro é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Coordenador do Projeto UnBcast – Narrativas Sonoras para a Comunicação Pública da Ciência e a Qualidade da Informação.

Elton Bruno Pinheiro

 

Embora a Faculdade de Comunicação da UnB e, de maneira muito particular, o seu Laboratório de Áudio e também as ações de seus núcleos e grupos de pesquisa, como o Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina, o Núcleo de Estudos, Produção e Inovação em Linguagem Sonora (NEPLIS) e também ações de projetos de comunicação comunitária existam e protagonizem, há muito tempo, ações de ensino, pesquisa e extensão em mídia sonora, especialmente na área do rádio, o Projeto UnBcast – Narrativas Sonoras para a Comunicação Pública da Ciência e a Qualidade da Informação, surgiu, na Universidade de Brasília, de uma maneira muito genuína.

 

Imagine um grupo de estudantes de diferentes áreas do conhecimento (Ciência Política, Letras, História, Direito e outros), motivados(as) pela constatação de um relativo “deserto” informacional sobre os serviços, as rotinas, os projetos e demais ações da UnB para a sua comunidade. Imaginou? Pois bem, diante de tal cenário, este mesmo grupo decidiu enfrentar aquele desafio com “fazimentos”, como diria Darcy Ribeiro. Assim, o grupo começou a dar uma contribuição, com muita empatia (algo que também é intrínseco à mensagem radiofônica, como nos ensinou Mario Kaplún), para melhorar esses processos de comunicação institucional da UnB, historicamente atravessados por questões complexas sobre as quais este texto não tem o interesse de discutir/aprofundar.

 

Consegue, agora, pensar em que solução o mencionado grupo adotou? Escutemos: para superar ou mitigar um contexto de relativa escassez de informações sobre as rotinas acadêmicas, especialmente sobre os direitos e deveres de universitários e universitárias, situação tensionada pelos desafios daquele período pandêmico, o obstinado grupo de estudantes refletiu e adotou a seguinte estratégia: usar, de forma experimental, a linguagem sonora e as estratégias possibilitadas pelo fenômeno do podcasting para falar de maneira mais direta e acessível com os seus pares sobre os assuntos que identificavam como fundamentais e que, naquela altura, também estavam impactados pelo nada saudoso “ensino remoto emergencial”.

 

Começava, assim, a reverberar pelos quatro campi da instituição de ensino superior da capital federal o que foi chamado, de maneira muito pertinente, como “Papo UnBês", um podcast experimental que adotava uma linguagem e formatos próprios dos(as) universitários(as) para abordar pautas de interesse coletivo da comunidade acadêmica e também das pessoas do ambiente externo à UnB. Foi assim que, por exemplo, nasceram séries de podcasts, com temáticas e narrativas variadas, como: instruções sobre serviços básicos como solicitação ou retirada de matrículas, dicas sobre como entrar ou mudar de um curso, orientações para aprender sobre áreas de interesse das inúmeras graduações oferecidas pela UnB e também sobre como conhecer e fazer comunicação pública da ciência.

 

Aquele grupo – curioso, criativo, crítico e cuidante – era também (ainda bem) inquieto: buscou, sem muita demora, aprender mais sobre áudio, rádio, podcasting, linguagem e mídia sonora, mas as pessoas daquele grupo não queria apenas se “capacitar", queriam aprender mais porque também estavam preocupados(as), desde então, com a continuidade daquele projeto, desejando, “em alto e bom som”, que ele tivesse uma vida longa. E cá estamos: no quinto ano daquele “Papo” que, agora já há meia década, portanto, se tornou o que é: uma rede. Isto só aconteceu porque houve quem, sendo ou não especialista na área, percebeu que na Universidade o que mais importa é a curiosidade, a dúvida, a experimentação e a inovação.

 

Quando a professora Carina Flexor e eu recebemos aquelas pessoas ávidas por aprender mais sobre as diversas dimensões da mídia sonora para fazer melhor o que já faziam de maneira exemplar e de forma tão bem conectada com a ideia de interdisciplinaridade, logo encontramos um motivo a mais para, trabalhando juntos, em sintonia, fazer valer outro importante ensinamento deixado como legado por Darcy Ribeiro: “construir pontes”.

 

Foi assim que o UnBcast nasceu: como uma ponte, conectando a força das ideias para “tirar do ar” as ideias da força, como nos ensina Florestan Fernandes. Estas forças, infelizmente, ainda operam, não mais justificadas pelo caráter pandêmico, como naquela época quando surgimos, mas em formatos de ações “uni” e não “pluri” e, por isso, quase sempre, são incapazes de afinar a escuta para projetos e paisagens polifônicas construídas em rede, como é o caso do UnBcast.

 

A ideia daqueles(as) estudantes, no ano de 2021, foi fundamental para consolidarmos a Rede UnBcast de Podcasts Universitários, que tem hoje mais de 200 produções sonoras integradas a uma plataforma colaborativa e que são veiculadas por uma rádio-laboratório, a Rádio UnBcast, e disponibilizadas para emissoras do grande campo público da Comunicação Social de todo Brasil e dos demais países de língua portuguesa. Juntas, estas ações objetivam valorizar e ressignificar a memória da produção de narrativas sonoras imersivas e que nascem como exercícios, estratégias ou ações de ensino, pesquisa, extensão, inovação e, porque não dizer, como experimentações artísticas vinculadas a contextos e a histórias de vida tão potentes quanto os sons que produzem e reverberam.

 

Nesta Edição Especial do 2º Encontro Internacional do UnBcast, realizado entre os dias 1º e 3 de julho de 2025, um movimento bastante semelhante àquele que um dia fundou o nosso projeto nos mobiliza: as ações de atores que querem valorizar e contribuir com a sua comunidade, contando histórias e cultivando processos educativos e informativos íntegros, de qualidade. Estamos falando da Rádio Cultura 100,9 FM, emissora pública do Distrito Federal, atuante desde 1988 e que na oportunidade deste diálogo ainda mais aproximado com a Academia, transmite-nos, com “boniteza e alegria”, para citar aqui o mestre Paulo Freire, o seu objetivo de ir ainda mais longe em suas ações em prol de um serviço público de mídia regional mais universal, plural, inovador, independente: defensor da cidadania e da democracia.

 

Ainda sobre esta edição do UnBcast, destaco que os mais de 100 podcasts inscritos no 2º Prêmio de Podcasts Universitários, advindos de 32 diferentes universidades das cinco regiões do país, assim como as duas centenas de inscrições que recebemos para este segundo Encontro Internacional (mesmo estando em um contexto de final de semestre letivo), é motivo de uma sonora celebração, mas não só pelos números e, sim, pelos indícios que eles representam: são muitas vozes que desejam falar e ser ouvidas; são muitos temas, pautas e atores que encontraram na podosfera mecanismos relativamente mais acessíveis para a expansão daquilo que desejam comunicar ao mundo, da aproximação que desejam manter com suas comunidades; e da coragem da esperança em processos de transformação que conduzam e fortaleçam práticas “pluriversitárias” (Nunes, 2010), inspiradas na cultura da mídia sonora, onde o que verdadeiramente importa são os laços, os vínculos, a participação e os afetos. É isto... Viva o som e aqueles e aquelas que percebem que ele, assim como ensina Murray Schafer, “flui e voa e leva o mundo em incrível andança pelo tempo e pelo espaço”.

 

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