OPINIÃO

 

José Luís Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. 

 

 

Jesús Ferreira Aparicio é diretor do Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (Bilbao/Espanha).

 

 

 

José Luis Oreiro e Jesús Ferreiro Aparicio

 

Desde meados da década de 1980, as reformas do mercado de trabalho destinadas a uma maior flexibilidade laboral nas economias europeias têm sido um elemento central da estratégia de política econômica destinada a reduzir as elevadas taxas de desemprego. Estas medidas baseavam-se no argumento de que os mercados de trabalho europeus eram excessivamente rígidos, o que não só reduzia a criação de emprego, como também aumentava a duração do desemprego, sinalizando assim um aumento do desemprego estrutural.

 

A resposta a este problema era aparentemente simples: o mercado de trabalho tinha de ser flexibilizado, eliminando a rigidez que restringia a criação de emprego. Para tanto, as economias europeias adotaram diferentes medidas que afetaram aspectos como a negociação coletiva, os processos de fixação de salários, as medidas de proteção contra o desemprego e, especialmente, medidas destinadas a facilitar e reduzir a demissão de trabalhadores permanentes, e facilitar o recurso a contratos de trabalho atípicos, principalmente contratos de tempo parcial e contratos temporários.

 

Embora os primeiros estudos empíricos apoiassem a eficácia dessas medidas, logo começou a ser provado que essa maior flexibilidade não estava isenta de problemas. Um caso paradigmático é o da Espanha, que, depois de permitir o uso de contratos temporários para empregos permanentes em 1984, passa a registrar em meados dos anos noventa uma taxa de emprego temporário no setor privado de cerca de 45%. Essa temporalidade excessiva gerou inúmeros problemas tanto do lado da demanda (desacelerando o consumo privado) quanto do lado da oferta (ao favorecer um modelo de competitividade espúria baseado nos custos de mão-de-obra mais baixos dos trabalhadores temporários) e distribuição (uma maior precariedade laboral se traduz numa maior desigualdade na distribuição dos rendimentos e em taxas de pobreza mais elevadas). Assim, a partir de 1997, começaram a ser tomadas medidas, com sucesso misto, para reduzir a flexibilidade laboral considerada excessiva e negativa.

 

Embora a existência desses efeitos colaterais negativos estivesse começando a ser admitida, pensava-se, no entanto, que esses custos eram compensados pelos benefícios derivados da queda do desemprego. No entanto, desde a eclosão da crise financeira de 2007-8, estudos empíricos questionam a validade do argumento, formando-se um consenso de que as reformas laborais na Europa não tiveram qualquer efeito sobre desemprego. Além disso, a proliferação do emprego precário apresentou efeitos negativos na atividade e no crescimento econômico, na distribuição de renda e na pobreza. A excessiva flexibilidade gerada por estas reformas tornou-se uma fonte de problemas não só econômicos, mas também sociais e políticos, alimentando o descontentamento social devido às más condições de trabalho e aos baixos salários.

 

O tema da flexibilização da legislação trabalhista voltou ao debate público no Brasil por conta de uma pesquisa do Datafolha segundo a qual 59% dos brasileiros com mais de 16 anos de idade dizem preferir o emprego por conta própria ao trabalho formal sob as normas da CLT. Os resultados dessa pesquisa contrastam com pesquisa divulgada pelo IBRE/FGV em dezembro de 2022 que mostrou que 7 em cada 10 trabalhadores informais ou por conta própria gostariam de mudar para uma ocupação que fosse ligada a uma empresa pública ou privada.

 

Além disso, é importante lembrar que em 2017 o Brasil passou por uma reforma trabalhista que foi vendida para o público como indispensável para a geração de empregos. Em artigo publicado em 2023, Oreiro et al mostraram que não existem evidências robustas de um efeito positivo da reforma trabalhista sobre a performance do mercado de trabalho no Brasil; e que o comportamento da taxa de desemprego está mais diretamente ligado à taxa de investimento e às políticas de transferência de renda.

 

A existência de um suposto “apagão” de mão de obra para a indústria devido à redução da taxa de desemprego nos últimos 3 anos e a redução da taxa de participação viabilizado pelas políticas assistenciais do governo não podem ser usadas como argumento para uma nova rodada de flexibilização da legislação trabalhista. A experiência na Europa mostra que a opção pela flexibilização da legislação de proteção ao emprego não só aumentou a precariedade das relações de trabalho como também a desigualdade na distribuição de renda e os índices de pobreza. A história do capitalismo mostra que é precisamente a escassez de mão de obra que induz os empresários a introduzirem inovações tecnológicas poupadoras de força de trabalho, tornando-se assim a fonte de crescimento da produtividade do trabalho no longo prazo. Além disso, a redução ocorrida na taxa de participação parece estar associada ao aumento da procura dos jovens por formação educacional, o que terá um reflexo futuro positivo na produtividade da força de trabalho.

 

A experiência das reformas trabalhistas na Europa mostra que a opção pela flexibilização da legislação de proteção ao emprego não só atuou no sentido de aumentar a precarização das relações de trabalho como aumentou a desigualdade na distribuição de renda como também os índices de pobreza. O Brasil não pode ignorar essas lições.

 

Celso Furtado, na década de 1960, afirmou que o subdesenvolvimento brasileiro era resultado de um mercado de trabalho dual, no qual uma parte minoritária da força de trabalho estava empregada no setor moderno de alta produtividade e salários mais altos; ao passo que a maioria da força de trabalho estava empregada no setor de subsistência, que utiliza pouco ou nenhum capital e, portanto, apresenta níveis baixos de produtividade e de salários. Essa continua sendo a realidade do Brasil. Flexibilizar as relações trabalhistas significa nivelar as relações de trabalho por baixo, jogando os trabalhadores em relações precárias de emprego.

 

O que o Brasil precisa é aumentar o tamanho do setor moderno para reduzir o percentual da força de trabalho que se encontra no setor de subsistência. Para tanto é indispensável aumentar a taxa de investimento para valores acima de 20% do PIB. Isso não será possível com uma taxa real de juros em torno de 10% ao ano. A flexibilização que o Brasil precisa, portanto, não é na legislação trabalhista, mas na política monetária.

 

Publicado originalmente, em 24 de julho, no portal Valor Econômico.

 

 

 

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