OPINIÃO

 

Caio Frederico e Silva é diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Mestre e Doutor pela UnB e Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordenador do Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo (LaSUS/UnB) e pesquisador colaborador do Critical Landscapes Design Lab (GSD/Harvard University).

 

 

Marcia Urbano Troncoso é professora de Projeto de Linguagem e Expressão na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Graduada e Mestre pela UnB e doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com uma pesquisa que dá voz aos autistas através de desenhos que expressam como eles desejam uma cidade melhor para seus cinco sentidos.

Caio Frederico e Silva e Marcia Urbano Troncoso

 

O projeto Mundo Azul, desenvolvido no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), foca na inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e constitui uma experiência aplicada em arquitetura sensorial exposta na CASACOR DF 2025, mostra que acontece na Casa do Candango (603 Sul) até 12 de outubro de 2025. A iniciativa parte da premissa de que a arquitetura desempenha papel central na mediação entre indivíduos e meio físico, sendo capaz de promover qualidade de vida e ampliar a participação social de grupos relativamente desconhecidos e eventualmente marginalizados.

 

O espaço experimental foi concebido como quarto infantil, configurado enquanto protótipo de ambiente terapêutico. Nesse contexto, a arquitetura de interiores assume função de capa protetora entre os excessos de estímulos do ambiente externo e as necessidades do universo interno de uma criança com autismo. A materialidade do espaço foi organizada de modo a favorecer concentração, acolhimento e segurança, por meio de soluções projetuais como o biombo curvo, a mesa circular e recantos protetivos (cesto-ninho, cama adaptada, piscina de bolinhas). Esses elementos, longe de serem apenas dispositivos formais, atuam como mediadores sensoriais que facilitam a comunicação, reduzem a ansiedade e promovem bem-estar.

 

Essa experiência reafirma o compromisso social da FAU-UnB com a produção de conhecimento voltado à transformação da realidade, assumindo a arquitetura como campo estratégico para a construção de uma sociedade mais inclusiva. Projetos como o Mundo Azul contribuem para consolidar uma prática acadêmica alinhada a políticas públicas nacionais e internacionais de garantia de direitos. No caso brasileiro, destaca-se a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O texto legal reconhece a pessoa com TEA como “pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”, garantindo-lhe direitos fundamentais, inclusive de acesso a serviços e espaços públicos em condições de igualdade.

 

A incorporação desses marcos legais à prática arquitetônica demonstra que a inclusão vai além de soluções técnicas isoladas: requer compromisso institucional e ético, capaz de reconhecer a diversidade neurológica como parte da condição humana. Nesse sentido, Gregorutti (2025) argumenta que a verdadeira inclusão pressupõe escuta ativa, acessibilidade comunicacional e sensorial, além da revisão crítica das práticas sociais e institucionais.

 

Diferentemente das soluções exclusivamente digitais — como o uso de realidade virtual e inteligência artificial para fins terapêuticos —, a experiência arquitetônica concreta mantém relevância insubstituível, pois possibilita presença, vínculo e conexão com o espaço vivido. O ambiente construído torna-se, assim, elemento essencial para o desenvolvimento da autonomia e da participação social.

 

O projeto Mundo Azul evidencia, portanto, que a arquitetura deve ser compreendida como agente ativo de inclusão, integrando dimensões terapêuticas, sensoriais e sociais. Ao alinhar teoria, prática projetual, compromisso institucional e diretrizes legais, reforça-se a centralidade da arquitetura na promoção de espaços mais justos, equitativos e humanos.

 

Referências

Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Brasília, Presidência da República, [2012]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 29 jan. 2025.

Gregorutti, Carolina Cangemi. Autismo: ciência, respeito e inclusão, Artigo de Opinião, Brasília, 2025.Disponivel em: https://noticias.unb.br/artigos-main/7932-autismo-ciencia-respeito-e-inclusao

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