OPINIÃO

 

Rozana Reigota Naves é reitora da Universidade de Brasília e professora do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP).

 

 

Angelita Pereira de Lima é reitora da Universidade Federal de Goiás e professora da Faculdade de Informação e Comunicação.

 

 

Carlos Henrique de Carvalho é reitor da Universidade Federal de Uberlândia e professor da Faculdade de Educação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rozana Reigota Naves, Angelita Pereira de Lima e Carlos Henrique de Carvalho

 

Em novembro, quando Belém receber a COP30, o mundo estará voltado para a amazônia. É justo que seja assim. Contudo, se restringirmos o debate apenas ao bioma amazônico, perderemos a oportunidade estratégica de pensarmos o Brasil em sua totalidade ecológica.

 

Não haverá amazônia sem cerrado — e sem uma visão integrada, não haverá liderança climática brasileira. Por isso, as universidades localizadas no cerrado defendem a criação do Instituto Nacional do Cerrado (INC), como unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

 

O cerrado é o berço das águas da América do Sul —de suas nascentes dependem as bacias Amazônica, do São Francisco, do Prata e do Tocantins-Araguaia. É a savana mais biodiversa do planeta elar de povos indígenas, comunidades quilombolas, geraizeiras e ribeirinhas que há séculos manejam o bioma de forma sustentável. Ao mesmo tempo, é também o bioma mais pressionado do país: metade de sua área já foi convertida, apenas 8% estão protegidos e, em 2024, o desmatamento na região voltou a ser o maior entre os biomas brasileiros.

 

O cerrado e a amazônia são um contínuo ecológico, social e climático. A evapotranspiração amazônica alimenta os chamados “rios voadores”, que garantem chuva no Centro-Oeste. O desmatamento, por sua vez, enfraquece esse mecanismo, afetando diretamente a agricultura e a disponibilidade hídrica. O balanço de carbono segue a mesma lógica: as emissões do cerrado já neutralizam parte da absorção da floresta amazônica. Ignorar essa interdependência é perder metade da história —e metade da solução.

 

As ameaças são evidentes; também o são as oportunidades. Estudos recentes mostram que os milhões de hectares de pastagens degradadas no cerrado são capazes de acomodar a expansão agrícola sem novos desmatamentos. A recuperação dessas áreas pode aumentar a produtividade e restaurar a vegetação.

 

Além disso, programas de pagamento por serviços ambientais e o mercado regulado de carbono já em implantação criam um ambiente econômico favorável para remunerar quem conserva. O agronegócio pode e deve ser par te dessa virada.

 

A criação do INC, tendo por referência a articulação entre ciência e sociedade, irá orientar agendas de pesquisa sobre biodiversidade, água e clima; fomentar o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao bioma; reduzir assimetrias sociais e regionais por meio da bioeconomia e da agroecologia; e apoiar a formulação de políticas públicas com base em evidências. Mais que uma defesa ambiental, trata-se de estratégia nacional: alinhar conservação, segurança alimentar, inovação e bem-estar coletivo.

 

A COP30 deve ser mais que uma conferência “sobre a amazônia”. O Brasil pode, nessa oportunidade, mostrar ao mundo que é possível produzir mais e melhor, estabilizar o clima e proteger a sociobiodiversidade. Para isso, é fundamental reconhecer o óbvio: o futuro da amazônia depende do cerrado. E o futuro do cerrado depende de termos a ousadia política de criar o Instituto Nacional do Cerrado!

 

Publicado originalmente, em 16 de setembro, no portal Folha de São Paulo.




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