Ângela Uchôa Branco
Crianças merecem todos os dias do ano. Precisam ser celebradas, cuidadas e escutadas, e têm direitos dos quais às vezes esquecemos. Dentre eles, destaco, especialmente, o direito a uma educação de qualidade que não se limita à escola, mas se estende ao convívio com a família e com as pessoas em geral. Não existe fórmula mágica para garantir o pleno desenvolvimento da criança, mas é possível favorecer que este aconteça. Sim, construirmos, enquanto sociedade, um mundo melhor com mais igualdade, liberdade e fraternidade é um processo lento e difícil, mas devemos isso a elas. Ter condições básicas para viver e ter todos os seus direitos respeitados, segundo o ECA, é um importante começo. Nosso esforço em construir um mundo melhor pode abrir caminhos para que se dediquem a imaginar e desejar projetos de vida para uma vida feliz, sem que a frustração, o sofrimento e a falta de perspectiva lhes apaguem a esperança.
Psicólogos tendem a orientar famílias e educadores a sempre dialogar com crianças e adolescentes. Parece um clichê inevitável que, porém, nem sempre é bem compreendido, mas pode fazer milagres. Quando julgamos importante que uma criança entenda nossos argumentos, é preciso parar e escutar o que ela tem a dizer. Levar a sério seus argumentos, ideias e opinião não é perda de tempo, pelo contrário. Ao estabelecer um diálogo respeitoso, damos a ela um exemplo de como deve ser a convivência entre as pessoas, e isto aumenta significativamente a chance de que ela venha a considerar o argumento adulto, criando uma predisposição afetiva para internalizar valores e regras necessárias a interações pacíficas.
Nos dias de hoje nos surpreendemos — e nos horrorizamos — com o número e intensidade dos ataques de violência e agressões nas escolas. O que ocorre é que as escolas estão inseridas na cultura em que vivemos, e o fato desta cultura estar cada vez mais impregnada por violência, competição, individualismo e falta de empatia acaba por reproduzir e permear as interações que aí acontecem. Os efeitos do bullying sobre a criança ou o adolescente em desenvolvimento são devastadores. A depreciação e humilhação geram paralisia, revolta, sofrimento. Em consequência, surgem distúrbios mentais geradores de depressão e/ou violência extrema. Professores, entretanto, raramente são orientados para lidar com situações de bullying, e a maioria das escolas acredita que educar é missão da família, e não da escola, cujo propósito seria apenas “ensinar”. Fútil dicotomia... A escola ensina muito mais do que conteúdos, em especial através do currículo oculto das salas de aula, onde os afetos e as interações sociais ensinam com eficiência. As experiências cotidianas na escola envolvem os alunos em práticas não planejadas como o bullying, reproduzindo valores predominantes na cultura e que não são percebidos pelos professores.
Aqui vai mais um alerta para escola e família: muita atenção à nossa maneira de interagir com crianças e adolescentes. O exemplo ensina muito mais que instruções e comandos. Como esperar respeito se não respeitamos? Escuta se não escutamos?
Enfim, fala-se muito em Cultura da Paz, mas esta não é um estado utópico e harmonioso. Sua permanente construção é um processo contínuo, um caminho feito de exemplos, disposição para dialogar e criatividade para engajar crianças e adolescentes em atividades interessantes. Em particular, se trata de compreender que conversar com filhos e estudantes sobre questões de convivência não é, em absoluto, perda de tempo, mas estratégia inteligente de promover interações e relações democráticas, fraternas e respeitosas, compatíveis com aquele mundo melhor—em permanente construção—ao qual nos referimos anteriormente.
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