Roberta Cantarela e Clélia Gomes dos Santos
É para comemorar! Sim, faz 80 anos que a professora, escritora e intelectual chilena Gabriela Mistral (1889-1957) recebeu o Prêmio Nobel de Literatura (1945). Foi a primeira pessoa latino-americana a ganhar a importante honraria.
Dona de uma escrita singular, que falava e escrevia como se contasse um conto ao modo de ouvir de uma criança, ao escutar os avôs e as avós, os pais ou outros mais velhos dispostos a contar-lhes histórias, foi homenageada pelo Governo do Chile com o lançamento do selo postal comemorativo. É uma iniciativa que reafirma o papel de Mistral como símbolo da cultura latino-americana e da presença das mulheres nas letras e na diplomacia.
A emissão do selo foi celebrada em Brasília, na noite de 20 de outubro, na Residência Oficial da Embaixada do Chile, com evento conduzido pelo embaixador Sebastián Depolo e com a presença do secretário de Assuntos Internacionais (INT) da UnB, Gladston Luiz da Silva; do diretor de Negócios dos Correios, Hilton Rogério Maia Cardoso; e de demais autoridades. O gesto, de alcance simbólico e cultural, ecoa a sensibilidade e a força de uma autora que atravessou fronteiras ao transformar a palavra em instrumento de justiça e afeto.
Mistral, que reverbera memórias da infância em suas criações, eterniza falas da tradição, dos cantores populares chilenos, das mulheres camponesas, dos homens e das mulheres que viam na rima e no verso a expressão e transmissão de suas vidas, é também louvada pelo Instituto de Letras (IL) da UnB.
O IL dedica à autora uma programação especial no XXVIII Congresso Internacional de Humanidades: a era da Inteligência Artificial e as Humanidades, que ocorre entre 20 e 24 de outubro de 2025, no Campus Darcy Ribeiro. O congresso é fruto da parceria consolidada entre a Universidade de Brasília (UnB, Brasil) e a Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación (UMCE, Chile). Seu objetivo é aproximar e discutir as epistemologias das comunidades acadêmicas do Sul Global, com destaque para o diálogo entre as áreas de Humanas do Brasil e do Chile.
Gabriela Mistral, às vezes tomada pela nostalgia, às vezes pela invenção de novas formas de existir, podia assim resistir à distância do “autoexílio”, durante sua estadia no Brasil (1940-1945), quando atuou como consulesa do Chile. Transgressora e com uma escrita que descortina temas pouco ditos e dá voz a silenciados, chegou a ser criticada e considerada inapropriada por subverter os moldes tradicionais.
Recordações, marcas, movimentos e tensões compõem a identidade dessa autora, que reconhece na oralidade vinda dos cantores anônimos de sua terra natal a voz da sua avó, do seu pai e da sua mãe. E foi assim que a sua escrita poética nos presenteava:
La mujer fuerte
Me acuerdo de tu rostro que se fijó en mis días,
 mujer de saya azul y de tostada frente,
 que en mi niñez y sobre mi tierra de ambrosía
 vi abrir el surco negro en un abril ardiente.
Alzaba en la taberna, honda la copa impura
 el que te apegó un hijo al pecho de azucena,
 y bajo ese recuerdo, que te era quemadura,
 caía la simiente de tu mano, serena.
Segar te vi en enero los trigos de tu hijo,
 y sin comprender tuve en ti los ojos fijos,
 agrandados al par de maravilla y llanto.
Y el lodo de tus pies todavía besara,
 porque entre cien mundanas no he encontrado tu cara
 ¡y aun te sigo en los surcos la sombra con mi canto!
Fonte: http://gabrielamistral.uchile.cl/poesiaframe.html
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