Lucas de Oliveira Cerqueira
Confesso que, nos meus primeiros meses na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, era um estudante que não acreditava muito no direito enquanto ferramenta de promoção de direitos. Muito mais interessado nas ciências sociais, achava que o direito era mero instrumento das estruturas sociais hegemônicas. Ocorre que, ao atuar mais na prática e ao compreender melhor as diferenças entre os problemas sociológicos e os problemas jurídicos, percebi que o direito não era apenas uma ferramenta, mas um instrumento muito estratégico para a modelagem das estruturas de poder, desenhadas principalmente pelas instituições.
Não por acaso, em todas as organizações que conheci, seus departamentos jurídicos sempre estiveram espacial e organicamente ligados às cúpulas de poder. Nos ministérios, nas universidades, nas organizações da sociedade civil, na sala ao lado das grandes chefias, eles sempre estão lá! Quando me perguntam o que faz um advogado constitucionalista, para tentar ser didático, explico que são aqueles que cuidam e assessoram as grandes organizações, em demandas geralmente (e não exclusivamente) de natureza coletiva.
Ações perante o Supremo Tribunal Federal, a defesa de direitos coletivos, representações de organizações da sociedade civil, advocacia e consultoria perante órgãos públicos são exemplos de atuação da advocacia constitucional. Esta pode diferir, portanto, da litigância estratégica, que pode ser compreendida como a utilização de instrumentos judiciais para promoção, prevenção de direitos e influência em políticas públicas. Tais conceitos não se confundem, mas se conectam na medida em que, geralmente, as ações de litigância estratégica reivindicam direitos constitucionais/fundamentais e possuem natureza coletiva, buscando também efeitos nacionais de repercussão geral.
Muitos exemplos demonstram o impacto dessas ações. Na minha pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília, investiguei a Ação Direta de Constitucionalidade nº 3.239 que tramitou no STF. Esse processo, que durou aproximadamente 14 anos, fez com que o Poder Judiciário estabelecesse uma interpretação específica para casos que envolvessem os direitos das comunidades remanescentes dos quilombos, consagrando uma interpretação antropológica no que tange o reconhecimento das suas propriedades através da ótica da territorialidade. Por meio desta visão, entendem-se as terras quilombolas como conectadas a um contexto cultural, no qual a vida da comunidade está ligada aos aspectos históricos, da natureza e da sociabilidade, não tendo natureza disponível como na propriedade civil.
Isso significa que, em conflitos de terras sobre as terras quilombolas, o Estado deve considerar a relação da comunidade com os elementos culturais e materiais da terra, e não apenas os aspectos documentais, como ocorre na histórica tradição do Direito Civil. Para que isso fosse possível, dezenas de organizações da sociedade civil, em especial aquelas ligadas aos movimentos negros e quilombolas, protocolaram petições naquele processo, junto com uma intensa mobilização social para defender as teses jurídicas construídas pelos movimentos e defendidas na ação.
Outros exemplos podem ser mencionados, como a representação da Educafro no Ministério Público Federal que garantiu a aplicação das cotas raciais no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 40, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pela constitucionalidade das cotas raciais no serviço público, a campanha Despejo Zero e a ADPF nº 828 para a proteção do direito à moradia na pandemia de covid-19 (Karina Fernandes e Morgana Maisner, 2024), e diversas outras ações civis públicas, pedidos como amici curia e e ações constitucionais.
Instituições do próprio Estado também assumem posições relevantes na promoção de direitos pelo litígio, a exemplo da Defensoria Pública e do Ministério Público. Por fim, as ações constitucionais e a litigância estratégica garantem a concretude dos direitos abstratos, aplicando as disposições do texto às demandas reais do dia a dia dos povos. Nesse sentido, entender, promover, participar e compreender a atuação destas organizações, assim como da advocacia constitucional, podem promover a efetividade de direitos como elementos essenciais da justiça e da democracia. E podemos dizer que esse país ainda precisa avançar muito em relação à garantia de alguns direitos.
Publicado originalmente, em 29 de novembro, no portal Correio Braziliense.
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