A preparação para o stress oxidativo é um fenômeno que foi descrito na literatura científica há cerca de 20 anos. Em linhas gerais, ele mostra como os animais aperfeiçoam seu sistema antioxidativo para se protegerem dos danos causados pelos radicais livres em situações de aumento, diminuição ou ausência de oxigênio no ambiente. No entanto, a maior parte dos trabalhos não fornecia uma explicação com base científica sólida. No mês passado, quatro pesquisadores da Universidade de Brasília publicaram na revista canadense Comparative Biochemestry and Physiology Part A um artigo que promete inverter esse quadro.
“Explicamos em nível molecular, mais especificamente, mitocondrial, como o organismo dos animais consegue aumentar os níveis de antioxidantes para se protegerem dos radicais livres”, afirma o professor da Faculdade UnB Ceilândia Alexis Welker, um dos autores do texto. Também assinam o trabalho os docentes do departamento de Biologia Celular Marcelo Hermes Lima e Élida Campos, além do aluno de mestrado Daniel Moreira. O artigo de revisão é baseado em estudos realizados nos Laboratórios de Radicais Livres e de Biologia Molecular da UnB e em dados recentes da literatura desse tema. Clique aqui para conferir o texto completo.
Os radicais livres são moléculas extremamente reativas. “Elas reagem, por exemplo, com o DNA, causando mutações – o que pode induzir a um câncer -, e com as proteínas, degradando-as e fazendo com que percam suas funcionalidades”, afirma Alexis. Em geral, os radicais livres são associados a fatores negativos, como o envelhecimento. No entanto, eles têm papéis importantes para os animais. Estudos sugerem que essas moléculas contribuem para a sinalização celular - que leva, por exemplo, ao aumento de massa muscular. “Pesquisadores alemães deram vitaminas C e E, conhecidos antioxidantes, a praticantes de exercícios físicos. Verificou-se que quem recebeu os suplementos não desenvolveu tão bem a massa muscular”, exemplifica Alexis.
O professor explica que o trabalho aborda casos de animais que têm alta tolerância aos radicais livres em situações estressantes, como falta de alimento ou de água. “O texto foca os animais aquáticos, mas a explicação do fenômeno serve para animais em geral”, completa o pesquisador. “Quando o animal está em uma situação de baixa oferta de oxigênio (hipóxia), vários trabalhos demonstraram que a produção de radicais livres aumenta. Esse aumento induz à expressão gênica de componentes antioxidantes”, explica Alexis. Com base em estudos recentes na área, os pesquisadores listaram quatro estratégias utilizadas pelos animais para se defenderem dos danos causados pelos radicais livres na natureza. Clique no quadro abaixo e saiba mais.
O professor Marcelo Hermes Lima afirma que a nova hipótese para o fenômeno da preparação para o stress oxidativo é um aperfeiçoamento de vários estudos publicados anteriormente. Ele conta que, em 1993, propôs a primeira explicação para o fato de que alguns animais conseguem sobreviver em ambientes com baixos níveis de oxigênio. “A explicação era bastante simplória. Verificamos que algumas cobras hibernavam em buracos inundados, ou seja, sofriam com a falta de oxigênio debaixo d´água, e conseguiam sobreviver”, exemplifica. “Percebemos, então, que elas tinham maior quantidade de antioxidantes”, diz.
Outro trabalho do professor, publicado em 2002 na mesma revista canadense, foi além. “Na época, eu e uma pesquisadora do México fizemos uma generalização dessa explicação para a maioria dos animais sujeitos à baixa oxigenação”, diz. “O estudo acabou se tornando muito popular na literatura de Biologia, com mais de 170 citações”, ressalta. Marcelo Hermes destaca que a ideia central da teoria, de que em organismos expostos a ambientes com baixo oxigênio há grande formação de radicais livres, é simples. “Foi uma sacada que tivemos”, resume. “O mais interessante é que há um grupo de pesquisadores de um centro de biologia marinha da Alemanha que está testando isso na prática. Aí veremos os resultados”, diz. “Essa experiência mostra, principalmente aos jovens pesquisadores, que é preciso perseverança para fazer uma descoberta. Não se deve fazer pesquisa fácil só para vê-la publicada”, completa.