Por definição, pelejar significa lutar, batalhar, combater. Para Angélica Bimbato, estudante do 4º semestre do curso de Pedagogia, o verbo resume sua vida de estudante-mãe. Afinal, encarar simultaneamente universidade, maternidade, trabalho e tarefas domésticas é missão árdua e desafiadora. A graduanda de 25 anos tem aulas na Faculdade de Educação (FE) três vezes na semana, em período integral. Só consegue cumprir sua jornada porque, enquanto estuda, conta com o auxílio da mãe e da creche, que compartilham com ela os cuidados com Ravi, de 3 anos.
“Reconheço minha rede privilegiada de apoio, fundamental para eu estar aqui. Ainda assim, me esforço muito para alcançar o meu objetivo de me formar. O curso demanda um comprometimento pensado para pessoas sem filhos”, pondera. Embora pareça singular no universo acadêmico, a realidade de Angélica não é exceção. Para dar mais conforto e qualidade de permanência na universidade ao público que enfrenta essa jornada, a Faculdade de Educação da UnB lançou uma iniciativa inédita na instituição: uma sala de acolhimento para pessoas com filhos que integram o dia a dia da comunidade local.
O espaço é fruto do diálogo entre estudantes e direção da Faculdade, em articulação com a Prefeitura do Campus e a administração superior da Universidade de Brasília. Decorada e adaptada a crianças de zero a 12 anos incompletos, a sala no prédio da FE 5 conta com brinquedos, livros, carrinho de bebê, mesas, cadeiras, computador, refrigerador, micro-ondas e pia. A maior parte dos itens foi doada pelas pessoas ou remanejada dentro dos setores da própria unidade acadêmica. A reforma contemplou ainda a reativação de um banheiro, com fraldário e vaso sanitário adaptado para o uso de crianças.
“A iniciativa integra uma política maior da Faculdade de Educação, voltada ao acolhimento à infância em prol das estudantes e trabalhadoras. Há uma sensibilização em curso para que as crianças sejam recebidas nos espaços, inclusive em sala de aula, desde que o professor seja antecipadamente avisado”, aponta a diretora da FE, Lívia Freitas.
A sala e o fraldário ficam disponíveis de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 22h40, e o controle das chaves será feito pelo porteiro, após preenchimento de formulário padrão e registro dos horários de entrada e saída do usuário.
Para frequentar o local, a comunidade da FE precisa cumprir regras estabelecidas pela resolução de uso do espaço. O documento foi construído coletivamente em comissão formada por estudantes, docentes, técnicas e representante da área de Educação Infantil e da coordenação de graduação. Entre os requisitos estão o cadastro prévio da mãe, pai ou pessoas responsáveis pelas crianças na Assessoria Pedagógica, que fica na FE 3, e apresentação da carteirinha de identificação específica para acesso. Importante ressaltar que, em hipótese alguma, as crianças podem ficar desacompanhadas do adulto responsável nos espaços de acolhimento.
O espaço pode ser usado por qualquer pessoa – mulher ou homem – que tenha vínculo com a Faculdade de Educação. A opção textual por usar os sujeitos no feminino decorre do reconhecimento da luta de mulheres-mães, protagonistas deste processo. Além do fato de a Faculdade de Educação ser majoritariamente composta e frequentada por representantes do sexo feminino.
MOBILIZAÇÃO – A materialização do espaço é consequência de um trabalho anterior, desenvolvido pelo Programa de Educação Tutorial (PET Educação), coordenado pela docente Patrícia Pederiva. Após despertar para a quantidade de crianças que frequentavam os espaços universitários, Pederiva e as alunas compartilharam a necessidade de investigar as condições de estudo e permanência das estudantes-mães na FE. A partir daí, o PET elaborou pesquisa – baseada em princípios, leis e aplicação de questionários – que levantou um cadastro e traçou um perfil de 32 estudantes-mães na FE.
O trabalho era a peça que faltava para mobilização, sobretudo das mães, em busca de suporte institucional a estas estudantes. De acordo com Patrícia Pederiva, o envolvimento do coletivo de alunas com o PET e com a pesquisa culminou no diálogo com a direção da Faculdade de Educação para encaminhar e formalizar uma iniciativa institucional de apoio.
“Diversos alunos, técnicos, professores e a direção participaram deste processo, mas simbolicamente destaco a estudante Catherine Novaes, que entrou grávida na FE e saiu daqui com seu filho de quatro anos. Em seu trabalho de conclusão de curso, relatou sua vida como estudante-mãe: situações de constrangimento e também de solidariedade e apoio”, detalha Pederiva.
Outra estudante que viu o impacto da maternidade interferir no universo acadêmico foi Sarah Sobrinho, de 22 anos. Mãe de Zion (3 anos) e Zoe (10 meses), ela cursava Direito numa faculdade particular. Após o nascimento do filho mais velho, interessou-se pelas temáticas da Educação e entrou para o curso de Pedagogia na UnB, onde atualmente cursa o 5º semestre. Sarah enxerga a graduação como a grande oportunidade de um futuro melhor para si mesma e, acima de tudo, para seus filhos.
“Se, em sala de aula, estamos o tempo todo discutindo educação e desenvolvimento humano, o espaço de acolhimento é simbólico e um avanço perante um cenário social de invisibilidade das crianças. Carrega uma mensagem para as mães, de que elas podem integrar os ambientes, e para seus filhos, que também passam a ser vistos como protagonistas”, avalia. A graduanda destaca ainda o auxílio-creche para alunas de baixa-renda, bolsa ofertada há um ano pelo Decanato de Assuntos Comunitários (DAC), como importante ação de apoio da Universidade para a permanência das estudantes-mães.
SERVIÇO
Espaço de acolhimento e fraldário da Faculdade de Educação
Onde: Prédio FE 5, campus Darcy Ribeiro
Horário: segunda a sexta-feira, das 7h30 às 22h40
Podem utilizar: Membros da comunidade da FE, mediante cadastro prévio