A Terra é um planeta conectado por suas muitas águas. A premissa que coloca a fluidez do recurso vital acima da separação de fronteiras geopolíticas é o modo pelo qual Stuart Bunn enxerga o mundo. Com vistas à preservação desse bem finito, o professor da Universidade de Griffith, em Queensland, Austrália, defende um comportamento responsável nas esferas individual, local e mundial, uma vez que as ações humanas têm impactos amplos.
Quem hoje enxerga o mundo com amplidão, nasceu em uma cidade de apenas 300 habitantes, e foi a primeira pessoa de sua família a ingressar em uma universidade. Apreciador de vinhos, pai de três, irmão de quatro e casado há 30 anos, o pesquisador sexagenário busca manter-se ativo. "Poderia me aposentar hoje, se quisesse, mas enquanto tiver condições de subir em um avião e me sentir bem, vou continuar viajando e fazendo o que gosto", afirma.
Para o cientista, o que se faz em um determinado país tem consequências diretas para pessoas que jamais pisaram ali. "Em um mundo globalizado, aquilo que fazemos em casa é importante em escala global", sentencia. Esse pensamento se desdobra em suas atividades de pesquisa: Bunn está envolvido em uma rede de estudos em torno da água que integra Brasil e Austrália. Nela, as universidades de Brasília e de Griffith são parceiras. "Nossos países têm biomas e problemas similares nessa área, então podemos aprender uns com os outros", acredita o professor.
A Aliança Tropical de Pesquisas da Água é financiada pelo CNPq, pelas embaixadas dos dois países, pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo. Mais de 70 pesquisadores brasileiros estão no projeto, com o objetivo de desenvolver soluções com foco em pesquisa biológica e melhoria da qualidade da água.
No dia 18 de março, às 14h, o professor Bunn estará no auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) para promover a aula inaugural da pós-graduação neste primeiro semestre de 2019. O tema da palestra, aberta ao público em geral, será Proteção e restauração de ecossistemas aquáticos na década internacional para a ação da água. A Secretaria de Comunicação da UnB conversou com Bunn para saber quais assuntos devem estar presentes na exposição.
No bate-papo prévio, o cientista abordou a importância da mudança de hábitos para preservação da água no planeta e comentou o mais recente desastre ambiental brasileiro, ocorrido em Minas Gerais. "Seu país possui todas as leis necessárias para evitar essa tragédia. Mas é preciso reforçar as cobranças sobre esses assuntos. São tragédias em que não apenas a água ficou poluída, inviabilizando a vida aquática, mas pessoas morreram. Esses desastres são terríveis e legalmente evitáveis", opina. Leia mais a seguir:
Qual é a sua avaliação do atual cenário das águas no mundo?
A biodiversidade aquática está declinando. Uma grande parte do mundo – quase metade da população mundial –, vive em situação de insegurança hídrica, em que a água é escassa ou poluída. É preciso refletir sobre o quanto a água é importante para nós, não somente aquela que bebemos, mas a que comemos também. Estamos perdendo espécies marinhas duas vezes mais rápido que as terrestres. É preciso saber gerenciar nossos recursos aquáticos de uma maneira mais sustentável. Por tudo isso, há uma necessidade real de pensar em como usamos e conservamos a água. Em um mundo globalizado, consumimos comida que cresce em outros locais do mundo. Transportamos esses alimentos exportando-os para todo o planeta e isso significa que aquilo que fazemos em casa é importante em escala global. O ciclo da água, particularmente a água da superfície, é algo que pertence a todas as partes do mundo. Os jeans que usamos, produzidos na China e na Índia pelas grandes indústrias da moda, por exemplo, deixam rastros de poluição nesses países. Da mesma forma que precisamos saber o que acontece nesses países, com a água que foi suja para o nosso consumo, precisamos saber o que os outros países fazem com essa água, com a comida que plantam, se pensam a irrigação de forma mais eficiente, produzindo o máximo com o mínimo possível de impacto.
Em um assunto que demanda atenção global, por que a delimitação da pesquisa em países tropicais?
Essa é uma pergunta interessante, porque todo o movimento de início da Aliança Tropical veio de um movimento das nossas embaixadas. Nosso escritório de assuntos internacionais decidiu que queria ter um projeto científico tropical focado no Brasil. Nossos países são essencialmente tropicais, em termos de vegetação, bioma, diversidade. Apesar disso, o projeto certamente é global. Se você observar onde estão os principais problemas relacionados à água, vai encontrar áreas em comum entre Brasil e Austrália como o semi-árido e o árido. Falta água nesses locais e os subtropicais têm passado por enchentes e inundações. Tanto na Austrália como no Brasil temos problemas similares de gerenciamento das águas. Como nossos países têm biomas e problemas similares nessa área, podemos aprender uns com os outros. Então creio que, como tudo está interligado, conseguimos, nos focando nessas áreas de nossos países, acompanhar o restante do mundo.
O que você enxerga como prioritário nas ações de conservação da água e recuperação de danos?
Em nível local, muitos jovens não sabem de onde vem a água, principalmente nos grandes centros urbanos. Eu me lembro de estar em São Paulo, no meio da crise hídrica, e ver pessoas molhando suas calçadas com mangueiras. Então as pessoas precisam saber de onde vem a água que sai da torneira para mudar seus comportamentos e fazer sua parte para conservar os recursos que permitem haver biodiversidade. Cada uma de nossas ações causa impacto no planeta como um todo. Já em nível global, os cientistas passaram a última década dizendo que temos problemas com a falta de água. A Organização das Nações Unidas reconheceu que precisamos melhorar nosso gerenciamento sustentável dos recursos hídricos. Nos últimos anos, nós cientistas fizemos um excelente trabalho identificando o problema, mas digo que agora temos que dar um passo à frente de nós mesmos e fazer algo, solucionar os problemas. Mas como fazer isso? O propósito da Aliança Tropical é pesquisar soluções com foco em pesquisa biológica e melhoria da qualidade da água, buscando assim tentar minimizar o que já está danificado pela nossa ação. Outro ponto é a interação com a agricultura. Tem sido um dos focos das nossas pesquisas na Austrália. Buscamos chegar ao equilíbrio ótimo entre as necessidades de água para humanos e a natureza. Assim, deixamos água de qualidade suficiente nos rios para a biodiversidade prosperar.
Além de conservar e recuperar, como evitar novos danos ao ecossistema aquático, como o causado recentemente em Brumadinho (MG)?
Primeiramente, precisamos ter instituições fortes e vocês as têm no Brasil. Seu país possui todas as leis necessárias para evitar essa tragédia. Mas é preciso reforçar as cobranças sobre esses assuntos. São tragédias em que não apenas a água ficou poluída, inviabilizando a vida aquática, mas pessoas morreram. Esses desastres são terríveis e legalmente evitáveis. Com isso, é preciso pensar em uma segunda abordagem, por ser um assunto social: moradores de locais próximos às barragens precisam se mobilizar para que a fiscalização seja de fato feita. A sociedade precisa se envolver mais e dizer "isso não é bom o suficiente" e demandar ainda mais. Além de questão social, também é econômica. Essas empresas são multinacionais e precisam ser cobradas para que desenvolvam suas operações de forma sustentável e segura, além de mostrar às pessoas que estão fazendo um trabalho melhor em proteger o meio ambiente. No trabalho da Aliança Tropical, buscamos desenvolver ferramentas mais transparentes para reportar a qualidade da água. Desenvolver essas ferramentas e monitorá-las é realmente importante, além de engajar o público nesse processo. As empresas responsáveis pelo desastre em Mariana, por exemplo, formavam um consórcio de três grandes multinacionais. Elas têm responsabilidade corporativa e é preciso fazer com que sejam responsabilizadas. Dessa forma, seus acionistas ao redor do mundo irão perceber que as empresas não fazem seus trabalhos como deveriam.
E para o cidadão comum, quais hábitos cotidianos você acredita serem eficazes na redução do impacto humano na natureza?
Tento incorporar isso na minha vida cotidiana e minha família também. Primeiramente, consumimos produtos locais, que sabemos como são plantados – principalmente porque comida precisa de água para crescer – e minimizam o impacto dos transportes. Também evitamos comprar itens que contenham plástico. É preciso sempre pensar de onde vêm os produtos que consumimos. Recomendo o documentário River Blue, sobre a produção de calças jeans, problema que já mencionei antes. É melhor comprar uma calça que dure dez anos do que comprar oito ou nove ao ano, porque a água utilizada e poluída nessa produção é muito volumosa. Além disso, repensar o tratamento de esgoto e a irrigação dos jardins, bem como tomar banhos mais curtos. Na Austrália, aprendemos a tomar banhos de dois minutos durante uma grande seca. Tudo isso é essencial.
Para saber mais, esteja presente na palestra do dia 18 de março, às 14h, na ADUnB. Durante o evento, o Decanato de Pós-Graduação (DPG) lançará o edital Capes PrInt UnB, como parte das ações de internacionalização da Universidade. Para saber mais a respeito, clique aqui.
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