HISTÓRIA

No aniversário da UnB e da capital federal, reportagem especial lembra as contribuições de um artista que trabalhou pela afirmação de ambas: o maestro Claudio Santoro

 

Maestro Claudio Santoro rege Orquestra do Departamento de Música no Restaurante Universitário. Foto: Acervo Fotográfico AtoM UnB
Maestro Claudio Santoro rege Orquestra do Departamento de Música, em apresentação no Restaurante Universitário, na década de 1960. Foto: Acervo Fotográfico/AtoM UnB

 

Som é energia que vibra e se propaga; o conhecimento também. Desde sua fundação, a Universidade de Brasília reverbera ambos, ecoando ideias visionárias de mestres e aprendizes autores da história da instituição. Ao soar dos 57 anos desta obra, inaugurada em 21 de abril de 1962, algumas de suas notas iniciais são resgatadas na figura do músico, maestro e professor Claudio Santoro, cuja sonoridade engrandece também a história de Brasília.

 

O compositor aportou na cidade no primeiro ano da Universidade para assumir o cargo de coordenador para assuntos da música a convite de Darcy Ribeiro – reitor da instituição na ocasião e seu fundador ao lado do educador Anísio Teixeira. Ao celebrar dois anos de existência, a capital ganhava sua universidade federal. Eram tempos de concepção urbanística, intelectual e artística. Profissionais e pensadores de todo o país se mudavam para o Planalto Central, movidos pelo ideal de transformar a nação e reinventar a educação superior.

 

“Para ele [Claudio Santoro] e para todos que vieram nesse início, a UnB significava o sonho de fazer a grande universidade brasileira acontecer. Eram pessoas bem colocadas profissionalmente no Brasil e no mundo, mas decidiram vir pelo ideal de começar algo grandioso e sem defeitos”, conta a Gisele Santoro, Maître de Ballet e viúva do maestro, cujo nascimento completa um centenário neste ano.

 

À medida em que os prédios universitários ganhavam concretude, eram estabelecidos os fundamentos dos cursos de graduação, a exemplo da área musical. “Claudio pensou cuidadosamente a estrutura curricular. Grandes personalidades vieram examinar seu projeto para a Universidade”, conta Gisele Santoro, em menção ao I Simpósio sobre Educação Musical no Brasil, realizado pelo músico e que resultou na tese A reforma do ensino musical no Brasil. 

Bailarina renomada no país e no exterior, Gisele Santoro vivenciou o mundo das artes ao lado do marido e maestro Claudio Santoro. Painel fotográfico ao fundo exibe espetáculo coordenado e encenado por ela no Teatro Nacional. Foto: Luis Gustavo Pradro/Secom UnB

 

Enviados pelo Itamaraty e pela UnB, a bailarina e o maestro visitaram, em 1963, os Estados Unidos e alguns países da Europa em busca de doações para iniciar as atividades acadêmicas.

 

“Trouxemos muito material: partituras, livros didáticos, instrumentos e gravações em discos de vinil. A Alemanha doou uma coleção inteira de instrumentos para iniciação musical com crianças pequenas. Conseguimos um bom acervo para a Universidade”, recorda Gisele Santoro.

 

Assim, em 1964, o maestro inaugurou o Departamento de Música, feito seguido pela criação da Orquestra de Câmara, composta por professores e alunos avançados da UnB. Daí nasceram os prestigiados concertos semanais, que reuniam gente de toda a cidade no campus Darcy Ribeiro, a cada manhã de sábado.

 

“Os concertos ficavam atulhados. Professores de outras áreas terminavam suas aulas mais cedo com receio de não conseguir lugar no auditório. Quando não havia mais espaço, abríamos portas e janelas e a garotada sentava-se no jardim. Era considerado questão de honra frequentá-los”, narra Gisele sobre os espetáculos que contavam com formações da Orquestra de Câmara, Música de Câmara, Quinteto de Sopro, Solos e Ensembles Instrumentais, Madrigal de Canto e Quarteto de Cordas.

 

Doutor Honoris Causa da instituição, o físico Roberto Salmeron viveu a embrionária UnB como coordenador dos Institutos Centrais de Ciências. Ele foi amigo próximo do maestro. “Com os concertos de sábado, conhecidos em Brasília, Claudio Santoro foi, naquela época, a pessoa que mais contribuiu para a desejada inserção da UnB na cidade”, relata Salmeron, em carta redigida ao ex-reitor Lauro Morhy, em novembro de 2004, na qual propôs outorga de título Doutor Honoris Causa Post-mortem ao amigo – condecoração concretizada em 2007.

 

TEMPOS DE EXÍLIO – Sobre o legado do maestro, Salmeron enfatiza a contribuição como “um dos pioneiros da UnB, que, com seu prestígio e seu trabalho, foi o intelectual que deu credibilidade à Universidade em seus inícios difíceis”. Às qualidades artísticas de Santoro, o físico acrescenta virtudes de caráter, como a solidariedade e a consciência cidadã. 

Universidade de Brasília passou por momentos difíceis à época da ditadura. Foto: Acervo Fotográfico/AtoM UnB

 

“Quando a interferência militar na Universidade de Brasília se tornou intolerável, quando nos convencemos de que não era mais possível continuarmos como professores, os coordenadores de departamentos e de institutos decidiram se demitir. Por solidariedade, sem nenhuma solicitação dos coordenadores, a maioria dos professores também se demitiu: 223 deixaram a Universidade. Ao se demitir, Claudio Santoro sabia que ia ficar sem emprego, com consequências graves para a sua família e para a sua vida profissional, mas com grande dignidade não hesitou”, registra Salmeron no documento de novembro de 2004, sobre episódio ocorrido em 1965.

 

“Foi praticamente todo mundo embora, uma grande pena. Seria uma maravilha se tudo aquilo não tivesse sido interrompido. Havia uma troca intelectual incrível, entre os professores das variadas áreas. Era assim na nossa amizade com o físico Salmeron”, lembra Gisele Santoro.

 

Com a demissão voluntária, e após tentativas frustradas de regência no país, Santoro partiu para a Europa com sua família, e conquistou uma vaga como docente após aprovação em concurso público na Alemanha.

 

REGRESSO – A convite do ex-reitor da UnB José Carlos de Almeida Azevedo, Santoro retornou ao país em 1978. No período, muitos brasileiros regressavam à pátria. O contexto era de intensa mobilização social, com repercussão internacional, em prol de indulto aos cidadãos perseguidos pelo regime militar. Como resultado, a Lei da Anistia Política foi promulgada no ano seguinte.

 

“Faltavam apenas cinco anos para ele se aposentar na Alemanha, mas preferiu voltar. Foi um choque esse regresso. As grandes personalidades tinham ido embora da Universidade, estavam em outros lugares, tocando em orquestras, teatro, televisão. Dispunham de possibilidade de ganhos inexistente em Brasília. Aqui não havia nada, quem vinha o fazia por um ideal”, confidencia Gisele Santoro, afirmando que “levou muitos anos para a UnB se recuperar da crise”.

No apartamento de Gisele Santoro, muitas recordações do tempo que viveu ao lado do maestro. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Não apenas a docência encorajou o maestro Santoro a regressar. A decisão levou em conta o convite para inaugurar o teatro da cidade, obra projetada por Oscar Niemeyer. O chamado veio do diplomata Wladimir Murtinho, à época secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal e presidente da comissão de transferência do Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro para Brasília.

 

“O teatro estava em fase final de construção. A tarefa do Claudio era assumir sua direção, fundar os corpos estáveis da orquestra e organizar um teatro de médio porte, condição compatível com a condição financeira do país”, conta a viúva do fundador da Orquestra Sinfônica de Brasília.

 

Santoro inaugurou o Teatro Nacional de Brasília em 6 de março de 1979, em um concerto com obras de Villa-Lobos. Dez anos após a estreia, o músico faleceu enquanto regia a orquestra durante um ensaio. Em homenagem ao seu legado, em 1989 a casa foi renomeada para Teatro Nacional Claudio Santoro.

 

Artista premiado mundo afora, Santoro simboliza a herança que a Universidade e inúmeros de seus docentes e egressos entregam à capital e ao país. São contribuições artísticas e educacionais espalhadas nos vários campos do saber e do fazer profissional.

 

“Nos orgulhamos muito da nossa relação com a cidade, evidenciada na arte, no ensino, na pesquisa e nos diversos projetos de extensão promovidos em todo o DF e Entorno ao longo desses 57 anos”, afirma a reitora Márcia Abrahão. “A Universidade tem uma atuação histórica e, cada vez mais, contribui para o avanço da sociedade.”

 

Atual chefe do Departamento de Música, o docente Renato de Vasconcellos também celebra os feitos da unidade. “Milhares de pessoas tocaram ou assistiram aos concertos do departamento. Muitos profissionais se formaram nessa casa e estão pelo mundo inteiro, espalhando o conhecimento e som que temos produzido.”

Em novembro de 2018, o bibliotecário da UnB Romélio Lustoza teve a honra de sentar-se ao piano que pertenceu ao maestro Santoro. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

TRIBUTOS – Em celebração ao centenário de nascimento de Claudio Santoro (1919-1989), a Editora UnB publica Prelúdios para piano, edição que reúne, pela primeira vez em volume único, todos os prelúdios do compositor brasileiro, além de composições inéditas. 

 

A obra é revisada pelo pianista e filho do maestro Alessandro Santoro, responsável pelo acervo material e virtual do compositor. Um dos pianos de Claudio Santoro está hoje no Espaço de Direitos Humanos da Biblioteca Central da UnB.

 

No dia 24 de abril, o Departamento de Música dá início às atividades em homenagem ao centenário de nascimento de seu fundador.

 

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