CONSERVAÇÃO

Manejo integrado pode ser estratégia para prevenção de incêndios. Assunto está presente em encontro de pesquisadores no Centro UnB Cerrado

 

Centro UnB Cerrado sedia o V Encontro de Pesquisadores da Chapada dos Veadeiros. Foto: Serena Veloso/Secom UnB

 

Apesar de os grandes incêndios serem considerados uma ameaça ao cerrado, o que muitos não sabem é que o manejo do fogo, feito de forma integrada e controlada, pode ser utilizado a favor da conservação da flora e da redução de incidentes, como o ocorrido no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros no mês de outubro. O incêndio foi considerado um dos maiores no Brasil em unidades de conservação.

 

“Se tivéssemos uma política de manejo de fogo no cerrado há muitos anos, é possível que não houvesse mais esses grandes incêndios, mas trata-se de uma mudança de paradigma recente”, avalia a professora do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB Isabel Schmidt. O tema está sendo discutido no V Encontro de Pesquisadores da Chapada dos Veadeiros. Organizado pelo Centro UnB Cerrado e pelo Parque Nacional da região, o evento teve início nesta quarta-feira (16) e vai até domingo (19), na cidade de Alto Paraíso de Goiás. 

Isabel Schmidt aposta no uso do manejo integrado do fogo como técnica para maior conservação do cerrado. Foto: Serena Veloso/Secom UnB

 

A especialista relata que as primeiras queimadas prescritas na região da Chapada dos Veadeiros ocorreram neste ano. As áreas onde o manejo foi aplicado ajudaram a conter parte das chamas e preservar as matas responsáveis pela proteção dos rios durante o último incêndio. Segundo a docente – uma das palestrantes do evento –, a técnica consiste na queima, no início do período da seca, da vegetação resistente ao fogo, como áreas de campo e gramíneas. A ideia é que o fogo seja controlado e apenas crie ambientes heterogêneos que dificultem, em futuros incidentes, a disseminação do incêndio por áreas maiores.

 

“No início da seca, as plantas ainda estão um pouco úmidas, então o fogo se espalha menos e acaba sozinho. Se vier um grande incêndio no final da seca, ele para na área que já foi queimada e não atinge as matas de galeria”, explica a professora. É necessário respeitar as condições climáticas e atmosféricas favoráveis ao controle do fogo e, consequentemente, à menor mortalidade de espécies vegetais. Isso porque, em períodos de longa estiagem, a vegetação tem maior potencial de combustão.

 

“Quando as queimadas prescritas ocorrem em maio ou junho, morrem no máximo 5% das árvores pequenas e nenhuma árvore grande. Numa queimada em setembro, você vai matar de 20 a 25% das plantas pequenas e 10 a 15% das árvores. Nas florestas de galeria, ainda mais: de 30 a 40% das árvores”, comenta Isabel. 

 

As pequenas queimadas podem contribuir ainda para a floração de algumas espécies vegetais. No entanto, o panorama é diferente quando há um incêndio de grandes proporções. “Existem estudos mostrando que o fogo faz parte do histórico de evolução das comunidades de plantas do cerrado. Entretanto, quando ocorre com grande intensidade e de forma criminosa, pode ser muito prejudicial para a biodiversidade, ocasionando desde perda de espécies de plantas até o oportunismo para algumas espécies invasoras”, pondera Cássia Munhoz, também professora do IB. Ela foi uma das convidadas da sessão temática sobre biodiversidade, no primeiro dia do encontro.

Reuber Brandão aponta acréscimo de unidades de conservação de proteção integral como salvação para o cerrado. Foto: Serena Veloso/Secom UnB

 

PRESERVAR É PRECISO – Com o atual cenário de destruição do cerrado, outras medidas são necessárias para a garantia da conservação de sua biodiversidade nos próximos anos. A estimativa é que sejam devastados 10 mil hectares de áreas do bioma diariamente. E o principal motivo seria a exploração pelo agronegócio.

 

Reuber Brandão, vice-coordenador do Centro UnB Cerrado, defendeu, durante palestra, a implantação de mais unidades de conservação de proteção integral, como a do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, como alternativa para reduzir os impactos da ação antrópica no cerrado. 

 

“O governo brasileiro investe num modelo agrícola que é agressivo ao meio ambiente e às comunidades locais. Se não criarmos unidades de conservação de proteção integral rápido, em menos de 50 anos não teremos mais cerrado, a não ser nas áreas protegidas”, prevê.

 

RECUPERAÇÃO – Ainda não foram dimensionadas as proporções dos impactos causados pelo incêndio que atingiu o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros no mês passado. A ampliação da extensão do parque neste ano teria sido um dos ocasionadores do episódio, considerado por gestores e pesquisadores como criminoso.

Pesquisadores, estudantes, gestores e comunidade em apresentação do Centro UnB Cerrado, durante evento. Foto: Serena Veloso/Secom UnB

 

O que se sabe, até o momento, é que áreas como a de veredas, mais sensíveis a esse tipo intervenção, foram as principais afetadas. Há risco ainda de que espécies animais sobreviventes enfrentem maior dificuldade em encontrar alimento após o incidente. Além disso, houve impacto significativo no turismo da região.

 

Pesquisadores da UnB e gestores da unidade de conservação têm trabalhado para monitorar as áreas queimadas e avaliar os efeitos do incêndio em diversos segmentos.

 

Segundo o coordenador do Centro UnB Cerrado, André Cunha, a ideia é ampliar essas ações com a elaboração de um programa de extensão para a recuperação da Chapada dos Veadeiros. “Queremos identificar ações para que possamos atuar em forma de extensão, diagnosticando esses impactos, mas também aproveitando a oportunidade para levar os alunos para aprenderem em disciplinas e práticas”, comenta Cunha.

 

Além disso, no último dia de atividades do Encontro de Pesquisadores, no domingo (19), serão discutidas técnicas e abordagens para o manejo integrado do fogo e combate a incêndios florestais. Na ocasião, gestores de reservas ambientais da região e pesquisadores vão compartilhar experiências para construção de uma agenda de pesquisas que possa auxiliar nas ações de conservação.

 

“É o momento em que vamos sinalizar quais são as questões-chave a serem contempladas nos nossos planos de manejo integrado do fogo”, avalia o diretor do Parque, Fernando Tatagiba, que coordenará os seminários.

 

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