Desenvolvimento e aplicação de novas práticas de projeto e implantação de jardins de Cerrado são os principais objetivos do Atelier de paisagismo sustentável. Com novas metodologias, o paradigma deste projeto de extensão é o do desenvolvimento sustentável. Lá, são desenvolvidas atividades de projeto, coleta e semeadura de plantas nativas do Cerrado. Os próximos passos são a produção de mudas e a implantação dos jardins em dois locais: a Casa Niemeyer e o Parque de Inovação e Sustentabilidade do Ambiente Construído (Pisac).
Em ambos os casos, a ideia é subverter a formatação tradicional dos jardins que normalmente são feitos em Brasília e dentro da Universidade de Brasília. Para o professor Luís Pedro de Melo, a vocação do projeto é formar profissionais que mudem o paradigma do paisagismo. Por isso, os projetos desenvolvidos na Casa Niemeyer e no Pisac vão reunir profissionais de várias áreas ligadas à questão da cultura e da inovação e das tecnologias voltadas para a construção.
“Ambos têm como objetivo ter um caráter mais ecológico, inclusive de formação de opinião, de mudança de paradigma, e que podem ajudar na formação de profissionais que trabalham com isso”, explica Luís Pedro de Melo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).
O projeto tem interface com estudantes e profissionais das áreas de Arquitetura e Urbanismo, Agronomia, Engenharia Florestal, Biologia, entre outras. Entre os conceitos trabalhados estão os de inovação, sustentabilidade e ecologia. Na equipe, são dois professores e sete alunos extensionistas.
A criação de jardins do Cerrado pode combater o desmatamento que esse bioma sofre, sendo substituído por áreas de agricultura e pecuária, modelo que impacta os ecossistemas e implica maior escassez de água – o que piora a situação em época de seca. Segundo maior bioma brasileiro, o Cerrado fica atrás apenas da Amazônia e ocupa mais de dois milhões de km². Entre agosto de 2017 e julho de 2018, a área desmatada foi de 6.657 km², segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
A demanda de água para manter jardins verdejantes, inclusive, é um problema. Ainda mais com a crise hídrica pela qual passou o Distrito Federal por 17 meses entre 2017 e 2018. O ponto de vista é que jardins adaptados ao clima local e à condição árida seriam uma resposta racional para um cidade sustentável, reforçando aspectos do paisagismo sustentável por meio de novas metodologias de produção de mudas e da implantação de jardins condizentes com a realidade ambiental e com os desafios das mudanças climáticas.
O teste desses novos métodos será realizado em dois jardins experimentais da Universidade de Brasília: o jardim da Casa Niemeyer, no Park Way, que pertence à UnB desde a década de 1980 e está em processo de revitalização pela Diretoria de Difusão Cultural do Decanato de Extensão (DEX); e o jardim do Parque de Inovação e Sustentabilidade do Ambiente Construído (Pisac), localizado no campus Darcy Ribeiro. Nesses espaços, serão desenvolvidos novos conceitos de paisagismo sustentável.
A Casa Niemeyer fica em um terreno de 20 mil m² – grande parte dessa área, de jardim, estava abandonada. Procurados pelo DEX, os professores aceitaram o desafio de criar um jardim sustentável e auxiliar na reestruturação e revitalização do espaço. A aproximação com o Atelier se deu por meio da Câmara de Extensão (CEX), através do colegiado de extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).
“Para o DEX, a Casa Niemeyer é mais que um espaço para realizarmos exposições, ele é simbólico da trajetória de nossa capital e de nosso país, por isso, temos realizado um grande esforço para restaurar as condições de funcionamento de diferentes aposentos da casa”, explica Olgamir Amancia, decana de Extensão.
Para a decana, o desenvolvimento de projetos de extensão tem sido uma forma de fazer as mudanças numa perspectiva pedagógica. A revitalização da Casa Niemeyer se dá por meio de exposições, instalações artísticas e oficinas – pela ocupação e uso de seus espaços pela comunidade acadêmica, artística, pela população.
“Ao pensar Brasília, Niemeyer estabeleceu uma relação paisagística de interação constante entre a cidade e a natureza. Resgatar estes elementos assegura ainda mais a identidade entre o autor e a sua obra”, diz Olgamir.
Já o jardim do Pisac faz parte de um edital para construção da praça de protótipos, um projeto em parceria da UnB, por meio do Laboratório do Ambiente Construído, Inclusão e Sustentabilidade (Lacis) com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e o Building Research Establishment (BRE), um centro de pesquisas do Reino Unido. Nesse caso, o projeto tinha obrigação de ser ecológico.
“O projeto foi baseado em algumas premissas: aproveitamento de água, mitigação dos efeitos nocivos da paisagem, como erosão, por exemplo, e também utilização de plantas nativas. Essas foram as principais orientações do ponto de vista ecológico. De maneira paralela a isso, tinha a questão de adaptar o paisagismo às estratégias de economia e de uso de energias renováveis, e de mitigação do consumo de energia”, conta o professor Julio Pastore, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV).
Entre setembro, quando o projeto foi aprovado, e dezembro, as atividades desenvolvidas foram de planejamento. Agora, é hora de submeter os resultados à comunidade externa – profissionais da área, estudantes, jardineiros.
Os idealizadores também têm em mente que podem criar novas possibilidades econômicas para profissionais da área, inclusive na Vargem Bonita, comunidade próxima à fazenda experimental da UnB e da Casa Niemeyer.
PRESERVAÇÃO — Luis Pedro Melo tem consciência de que o paisagismo sustentável pode auxiliar na preservação do Cerrado. O paisagismo com plantas do bioma pode promover a preservação da biodiversidade e dar suporte às comunidades nativas (insetos, abelhas, morcegos e vários outros animais) que fazem parte do ecossistema, e que são ameaçados à medida que esse ecossistema é alterado – inclusive com a recolonização com espécies exóticas de insetos e pássaros, por exemplo.
“A gente precisa chamar atenção para algumas espécies que são extremamente ornamentais, bonitas, e que não são valorizadas. Muitas delas inclusive estão ameaçadas por fazerem parte de fitofisionomias que estão sendo devastadas em função do avanço do plantio de soja nos campos do Cerrado. Muitas estão sumindo e a gente vê que elas poderiam ser utilizadas”, diz Luis Pedro Melo.
Para o professor Pastore, é preciso ter a dimensão do impacto ecológico de um jardim com alta demanda de água, energia, mão de obra, adubos e agrotóxico.
“Existe um processo de ocupação de áreas preservadas em que as pessoas derrubam o Cerrado e fazem jardins de grama com irrigação, com plantas de fora. Podemos diminuir o impacto ambiental da urbanização com uma vegetação que demanda menos recursos e ainda presta serviços ecológicos: aumentar a infiltração da água, aumentar a biodiversidade e ter uma interface com a vegetação nativa”, diz.
Os pesquisadores tentam trabalhar as demandas urbanas confrontando com as possibilidades das espécies do Cerrado. Buscam reconhecer quais são as espécies nativas que se adaptam às demandas urbanas colocadas pela funcionalidade da cidade que conseguem ter menor consumo de água, menor manutenção, manter a biodiversidade.
Existe toda uma metodologia aplicada à realidade do local de maneira a mitigar os efeitos nocivos que podem estar causando danos ambientais ao local. No caso do Pisac, por exemplo, o processo de urbanização acabou produzindo um processo de carregamento das águas pelas vias. Sem tratamento de águas pluviais, eram jogadas no terreno e provocavam erosão. Todas essas informações foram levadas em consideração na construção do projeto.
Plantas em ambiente natural – com solo pouco ou nada degradado – têm relações específicas com micro-organismos do solo que são necessários para sua sobrevivência. Como o paisagismo lida com áreas degradadas – com solo desestruturado por aterramentos, compactações, carga de águas pluviais – os professores pesquisam o comportamento da vegetação sem a presença dos micro-organismos, ou com a presença de micro-organismos inoculados.
No caso das sementes, por exemplo, os pesquisadores buscam saber quais tipos de dormência as plantas expressam. Isso porque as plantas tem uma estratégia de sobrevivência para a semente não brotar na hora errada.
Eles trabalham com uma gama de espécies de forrações utilizadas dentro de um contexto campestre, com uma formação baseada no naturalismo – com mais diversidade e menor controle.
“O paisagismo com plantas do Cerrado está sendo desenvolvido agora, então ninguém sabe quais são as espécies, como plantar, como fazer a composição, para que isso funcione. Fizemos uma expedição para Pirenópolis para conhecer mais plantas, pegar sementes. Fizemos um levantamento da demanda e das condições da área, para decidir quais espécies queremos usar e quais paisagens queremos expressar”, relata Julio Pastore.
MERCADO — No Cerrado existem várias espécies com alto valor ornamental e que podem ser inseridas em projetos paisagísticos. Porém, não existe produção comercial dessas plantas. O Atelier pode mudar essa percepção, e incentivar a produção.
As pesquisas desenvolvidas pela equipe buscam desenvolver melhores técnicas para o plantio, reprodução e manutenção dessas plantas, com objetivo de inseri-las no mercado.
“Queremos mudar a mentalidade das pessoas em relação à paisagem do Cerrado, construindo uma ideia de que não é feio, de que tem valor, que não precisa ser desmatado. Começa com a tomada de consciência da população. Nós pretendemos mostrar que o bioma tem valor estético e tem valor paisagístico”, diz Luis Pedro de Melo.
O professor argumenta que em outros lugares, como no Nordeste, plantas são produzidas e vendidas no mercado internacional.
“À medida que determinadas plantas puderem ser colocadas no mercado paisagístico isso vai iniciar uma cadeia produtiva que vai gerar emprego e renda lá no pequeno produtor que tem uma agricultura familiar de subsistência, mas que pode com facilidade produzir mudas de Cerrado na sua pequena propriedade, com baixo custo, e pode fornecer essas mudas para o mercado de paisagismo”, argumenta.
O desenvolvimento de técnicas de reprodução vem através das pesquisas desenvolvidas. O caráter extensionista está em levar o conhecimento dos benefícios para a comunidade. Faz parte do projeto ter contato com jardineiros, que precisam saber reconhecer parar não arrancar; com viveiristas, para produzirem essas plantas; com paisagistas, para que saibam expressar a beleza das plantas.
Também é preciso ter conhecimento sobre as espécies e o seu potencial para serem usadas – por exemplo, quais flores saem mais do conjunto de folhas.
“É necessário entender quais plantas é possível reproduzir e de que maneira: por semente, por galho, por divisão de touceira; como desenvolver um projeto de jardim em que elas podem expressar aquela beleza, como fazer a composição; como plantar elas – com adubo, sem adubo – com cobertura de solo, sem; depois que está plantada, quanto tempo ela fica bonita, quanto tempo leva para ficar bonita; tem ciclo mais longo, mais curto, qual melhor hora de podar, se ela precisa ser replantada; conhecimentos relativos à gestão das áreas verdes, da manutenção dos jardins”, explica Pastore.
Mas é preciso percorrer um caminho para essa mudança de paradigma. O primeiro passo é desenvolver o olhar para perceber a beleza das formações no Cerrado.
A execução do projeto decorre de acordo firmado entre UnB e Ministério Público do Trabalho (PAJ 000608.2009.10.000/8-01), que resultou no Edital do Programa Educação, Trabalho e Integração Social, com foco em projetos que contribuam com trabalhadores de territórios e de populações em vulnerabilidade social do DF e do Entorno.