A história de Candice Assunção é marcada pela superação de obstáculos. Uma das maiores lutas veio ainda na adolescência quando, aos 17 anos, vítima de um erro médico, perdeu a visão. Mais de 20 cirurgias foram realizadas, sem sucesso, na tentativa de reverter o quadro. Essa goiana de Anápolis, entretanto, não é de entregar os pontos. Ela enfrentou as limitações, se dedicou à vida acadêmica e agora, aos 44 anos, concluiu o doutorado em Linguística na Universidade de Brasília.
Com muitas demandas de leitura, Candice diz não se sentir confortável com a utilização do método Braille. No percurso acadêmico, preferiu utilizar os softwares leitores de tela. "Ouvir aquela voz do computador é cansativo, mas tive que aprender a conviver com essa realidade", diz. E a barreira da leitura não foi a única na formação da pesquisadora. Para conseguir terminar as graduações, foi preciso vencer o preconceito. "Abandone esses cursos. Você nunca vai conseguir se formar. Fique em casa. Você quer estudar apenas por capricho!", relata Candice, lembrando-se de frases que costumava ouvir. Com apoio da família, ela contrariou os céticos e se formou simultaneamente em Letras e Direito.
"Tenho muito orgulho dela. É guerreira, uma vencedora", diz Mirelle Assunção, irmã mais nova e apoiadora de Candice. Foi Mirelle que leu os slides apresentados à banca avaliadora de doutorado.
Professora titular da UnB e orientadora de Candice desde o mestrado, Josenia Antunes Vieira reconhece na estudante uma pessoa determinada e com os méritos necessários para conquistar a titulação. "Na Universidade, ela nunca teve qualquer tipo de privilégio. O conhecimento que adquiriu é fruto da dedicação e esforço que ela dispensa aos seus estudos", afirma.
TESE - Também mestre em Linguística pela UnB, Candice é a primeira cega a se tornar doutora na instituição. E a trajetória de vida dela se relaciona com as pesquisas realizadas. A tese Inclusão e ideologias no contexto da globalização analisa discursos que permeiam os textos legais, relacionados à educação inclusiva. Ao todo, quatro instrumentos oficiais foram investigados: Orientações para a Inclusão: garantindo o Acesso à Educação para Todos (Unesco, 2005); Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Educacional (MEC, 2008); Meta 4 do Plano Nacional de Educação PNE/MEC e Lei Nº 13146/2015 (Estatuto das pessoas com deficiência).
A estudante aprofunda as discussões a respeito dos documentos, a partir das análises das fundamentações legais, ideologias, dificuldades da aplicação do direito formal à igualdade, e a efetivação dessas leis. Para Candice, o direito “só é alcançado, de fato, quando ocorre o respeito às diferenças”.
ACESSIBILIDADE - A UnB oferece aos estudantes com deficiências, o Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE). Por meio dessa iniciativa, tutores auxiliam estudantes nas tarefas acadêmicas e orientam professores para que sejam feitas as adaptações necessárias.
Na Biblioteca Central (BCE), existem os Laboratórios de apoio aos Deficientes Visuais (LDV/UnB). Nessas salas, os estudantes têm um suporte de áudio e leitura de telas. Também está disponível acervo em braile com publicações em diversas áreas do conhecimento.
Caso seja necessária a utilização de livro específico - que a UnB não disponha -, o aluno (ou professor) faz a solicitação e a direção da BCE providencia a aquisição do referido livro. Para alunos com deficiência auditiva, são oferecidos serviços de tradutores em Libras. Além disso, na Universidade há elevadores e rampas de acesso às salas de aulas e a outros espaços.
Candice considera positivo o apoio que recebeu na Universidade de Brasília. "Aqui na UnB, tive um auxílio que não recebi nas outras universidades que estudei. Sei que ainda não é o ideal, mas já é um bom começo". Ela comenta que, algumas vezes, utilizou os serviços do PPNE. Porém, por ela estar no nível de pós-graduação, os tutores, mesmo com boa vontade, não puderam auxiliá-la como necessário.
VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL - Vaidosa, de fala tranquila e memória privilegiada, Candice consegue descrever, com detalhes, todo o conteúdo incluído nas páginas da sua tese. Agradecida, ela relembra o apoio dado pelo seu pai, falecido em 2012. Servidora pública do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e professora de informática no Centro de Ensino Especial para Deficiente Visual (CEEDV), ela ainda tem tempo para atuar como advogada. Além disso, Candice tem artigos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.
Os professores Guilherme Rios (UnB), Joana Ormundo (Unip/SP), Eliane Ferreira Sousa (Capes/MEC) e Walkyria Wetter (Unip/DF) compuseram a banca avaliadora da tese. A estudante foi aprovada com louvor e unanimidade pelos avaliadores, no dia 3 de março de 2016. Eles consideraram que a tese apresentada é de grande importância para os avanços das políticas de inclusão educacional às pessoas com deficiência. Além disso, a pesquisa é vista com potencial para colaborar na formação de professores e profissionais das áreas da educação. Em breve, a tese dará origem a um livro.
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