“Foi a psicóloga quem salvou minha vida”, diz Renato. Homem trans, ele relata que desde criança, ainda como menina, via o pai fazendo a barba e se perguntava como seria se barbear. “Tomava banho o mais rápido possível, porque não queria me tocar. Também evitava falar ao telefone e fazer ligações ao máximo, porque não queria ouvir minha própria voz”, conta. Nesse momento, ele ainda não fazia a terapia de hormonização, técnica chancelada pelo SUS que ajuda pessoas trans a se aproximarem da sua expressão de gênero.
Em 29 de janeiro, comemora-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A referência surgiu em 2004, após o lançamento de uma campanha contra a transfobia promovida pelo Ministério da Saúde. Desde então, a data ilustra o movimento de luta pela garantia de direitos e reconhecimento de identidade. Nesta segunda-feira (28), a coordenação LGBT da Diretoria da Diversidade (DIV/DAC) da UnB realiza a atividade UnB TRANSformadora, em celebração à data. O encontro acontece na Maloca, ao lado da Faculdade de Direito, no campus Darcy Ribeiro, às 10h.
Entre os assuntos que serão tratados na atividade, estão a política de permanência a estudantes trans da UnB e a saúde mental dessa população, que é o tema desta reportagem. A incompatibilidade entre o gênero biológico e a identidade de gênero de pessoas trans era classificada como doença até 2018 (CID F64). Registrada como transtorno de identidade sexual, a incongruência de gênero deixou de ser considerada condição de saúde mental a partir da 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças. A versão que a precedia foi lançada em maio de 1990.
A questão da saúde mental mostra-se evidente quando a pessoa trans decide começar o processo de hormonização. As alterações que vêm a partir do tratamento não são apenas físicas, mas, assim como na adolescência, psicológicas e cognitivas. “A maioria sofre rejeição, principalmente da família. Temos muitos casos de transtorno de ansiedade e depressão com ideação suicida, principalmente no momento de transição”, relata Isabel Amora, psicóloga clínica no Hospital Universitário de Brasília (HUB).
PERTENCIMENTO – Segundo dados do Ministério da Saúde, de agosto de 2008 a setembro de 2017, foram realizados 428 procedimentos hospitalares e 21.935 procedimentos ambulatoriais relacionados ao processo transexualizador, incluindo as cirurgias de mudança de sexo. A operação é uma meta para Esteffany Rodrigues, mulher trans que sempre se viu como pertencente ao gênero feminino.
“Na minha cabeça eu era menina, sempre fui. Não sabia que existiam trans”, diz, lembrando a infância. Bem resolvida, Esteffany sonha andar pelas ruas de mãos dadas com o marido. "É muito bom estar de bem comigo. Hoje sou feliz e serei plena quando fizer a cirurgia”, afirma.
Renato enfrentou a resistência da mãe no início de sua transição. “Provavelmente, minha mãe, quando estava grávida de mim e viu o ultrassom anunciando o meu sexo, pensou em como seria escolher meu vestido de casamento e outras coisas que não aconteceram e não irão acontecer”, imagina. Hoje, ela faz parte do grupo Mães pela Diversidade.
Apesar do apoio que recebe em casa, ele já ouviu de alguém que, após a transição, era como se uma pessoa tivesse morrido. “Só que é uma pessoa que nunca existiu. Hoje sou eu mesmo”, comemora.
APOIO NA UNIVERSIDADE – O ambiente universitário pode ser traumatizante para pessoas que não fazem parte da hegemonia de gênero. Pensando nisso, a UnB criou a Diretoria da Diversidade (DIV), que faz parte do Decanato de Assuntos Comunitários (DAC).
Coordenadora da Diversidade Sexual na DIV, Maria Célia Selem explica que o trabalho envolve o acolhimento de pessoas que sofreram algum tipo de violência, dentro ou fora da Universidade. Entre as queixas recebidas está a falta de sensibilidade dos professores que insistem em não usar o nome social dos estudantes, causando constrangimento.
A DIV também oferece cursos de formação de servidores, com a ajuda de pessoas que integram a população LGBT. São oferecidas palestras para auxiliar e preparar os trabalhadores a lidar com as diferenças. Outro eixo importante é a comunicação. Para isso são realizadas exposições, rodas de conversa, parada LGBT e outras ações, a fim de trazer visibilidade para essa população. Todas as atividades têm o intuito de assegurar os direitos e promover o respeito dentro da comunidade universitária.
Matéria com informações publicadas originalmente na edição nº 20 da revista Darcy.
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