HOMENAGEM

Professora Nilza Bertoni receberá o título de pesquisadora emérita do CNPq. Trajetória da docente é voltada para metodologias e técnicas de ensino

 

Aposentada desde 1992, Nilza Bertoni continua envolvida em atividades acadêmicas. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

 

Professora Honoris Causa da Universidade de Brasília; primeira dirigente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM); dá nome a um seminário sobre história e educação matemática no Distrito Federal. Esses são apenas alguns dos feitos da professora aposentada Nilza Eigenheer Bertoni, agraciada com mais um título: o de pesquisadora emérita do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

A edição de 2019 do CNPq contemplou, ao todo, dez docentes no Brasil. A honraria de pesquisador emérito é dada, desde 2005, aos autores de obra científico-tecnológica de destaque e que tenham feito relevantes contribuições para o país.

 

“Eu tenho muito respeito pelo CNPq. Tive bolsas para congresso, participei de muitos projetos. De alguma maneira, sempre soube que minha pesquisa não é canônica na área de Matemática”, conta Nilza, que recebeu a notícia com surpresa. Ela considera que sua indicação pode ser reflexo de uma abertura do órgão para linhas de pesquisa menos estritas e tradicionais.

 

Graduada em Matemática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Nilza passou por diferentes experiências. Atuou no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e na própria Unesp, antes de ingressar na UnB como professora do Departamento de Matemática (MAT), em 1968. “Vim participar de um curso e fui convidada pelo professor Leopoldo Nachbin, então coordenador do curso, para lecionar na Universidade. Foi um período muito difícil, após a crise de 1965, quando mais de 200 professores pediram demissão”, relata.

 

Em 1973, a pesquisadora concluiu o mestrado na UnB e ingressou no doutorado, que foi interrompido devido à mudança de seu orientador para outro país. “À época, não existiam muitos programas de mestrado e doutorado no Brasil”, justifica. Docente na instituição por 24 anos, Nilza dedicou-se especialmente à pesquisa em educação matemática, tendo se aposentado em 1992.

 

NOVA LINHA – O incômodo pela dificuldade dos alunos e a carência na formação da licenciatura foram as motivações que levaram Nilza Bertoni a se dedicar aos problemas de aprendizagem em Matemática: “Nós identificamos que a maior parte das dúvidas dos alunos vinha das séries iniciais. Os livros da época eram muito tradicionais, sem ilustrações ou aplicações ao meio social; não se preocupavam muito com a formação do aluno, eram apenas regras”.

 

Embora o Departamento de Matemática da UnB estivesse voltado essencialmente para a matemática pura, a professora conseguiu, ao lado de duas colegas, aprovar um projeto de pesquisa, financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia/CNPq e pelo Ministério da Educação (MEC), via Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo foi desenvolvido durante cinco anos, entre 1984 e 1989.

 

“Educação matemática, por exemplo, era um termo que não existia. Mas mesmo sendo algo novo, nós tínhamos o espírito científico e levantamos autores e referências bibliográficas, como Piaget, Montessori e Vygotsky”, destaca. Não era necessariamente um projeto de pesquisa, mas propostas e aplicações em sala de aula.

 

A iniciativa não se tratava apenas de currículo. “Queríamos descobrir de quais tópicos de matemática os alunos gostavam, como conseguiam aprender e o que seria útil para eles na vida e em seu cotidiano”, resume. Ela define sua pesquisa como “cognitiva social”, já que se preocupa com a aprendizagem social que naturalmente se integra à realidade do estudante e lhe possibilita dar respostas aos problemas e desafios diários.

 

Segundo a pesquisadora, foram feitas muitas descobertas, a partir de experimentos com materiais diversos, como no ensino dos números fracionários. “Nós aprendemos muito a partir de dúvidas dos estudantes, tais como: não tem dezena nas frações? Por que o ‘um’ de fração é quadrado ou redondo e o dos números naturais, palito ou ficha?”, exemplifica.

 

Um dos empecilhos à aprendizagem, em sua visão, está justamente no formalismo e na semântica. “A matemática costuma colocar um nome complicado no início de cada capítulo. Os livros não relacionam os conteúdos entre si”, critica. Além de publicações em periódicos científicos, o trabalho motivou diversas atividades de extensão, como seminários e cursos para professores de escola pública.

 

PROJETOS NÃO CESSAM – Até o ano passado, a educadora atuava no Centro de Formação de Professores da UnB (Cefop), onde coordenava equipes de capacitação para secretarias de educação em todo o país. “Estava constantemente escrevendo, orientando e participando das demandas do centro”, relata.

 

Atualmente, a professora Nilza está envolvida em uma publicação sobre o projeto realizado na UnB na década de 1980. Ela também foi convidada a escrever um livro sobre o ensino de cálculo. Em função de outros compromissos assumidos, não sabe dizer se conseguirá realizar esse desejo. Além disso, participa constantemente de eventos na área de educação.

 

“Continuo envolvida, sim, mas há algo que nunca fiz na área acadêmica e científica: nunca orientei uma pesquisa nos moldes tradicionais”, admite. A grande preocupação, hoje, é a demora em implantar propostas e mudar modelos de aprendizado no ensino básico: “É um processo lento e a sensação que tenho é a de que cada pesquisa em ensino precisa ser recomeçada. Por outro lado, eu reconheço a dificuldade do professor, que tem muito aluno e conteúdo a dar, e pouco tempo para se dedicar a buscar novas ferramentas”.

 

Apesar dessa percepção, próxima de completar 83 anos de idade, Nilza acredita que conseguiu contribuir para o campo da educação matemática. Parafraseando o escritor José Saramago, quando indagado sobre o que mais ele poderia querer, a professora diz: “Eu queria ter mais tempo”.

 

A cerimônia de entrega dos títulos de pesquisador emérito do CNPq de 2019 será realizada no Rio de Janeiro, no mês de maio, em data a ser definida. Vale lembrar que a UnB tem outros professores que também tiveram o mesmo reconhecimento, como Nagib Nassar, do Instituto de Ciências Biológicas, em 2018, e Othon Leonardos, do Instituto de Geociências, em 2017.

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