LITERATURA COMPARADA

Diálogo reuniu as literatas Amara Moira, Cynthia McLeod e Conceição Evaristo. Encerramento é nesta sexta-feira (19) com a escritora Pilar Del Rio

Auditório verde da Face estava repleto para o encontro de mulheres expoentes na literatura. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Com mais de 60 convidados nacionais e internacionais, o XVI Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic) movimentou a Universidade de Brasília ao longo da semana. Cerca de dois mil inscritos participaram de simpósios, mesas-redondas e outras atividades. O encerramento acontece nesta sexta-feira (19), às 18h, no auditório da Faculdade de Direito (FD), com a presença da escritora Pilar Del Rio, viúva de José Saramago e presidente da Fundação José Saramago.

 

>> Nesta quinta (18), Pilar Del Rio e a reitora Márcia Abrahão se encontraram

 

“Os participantes estão bastante satisfeitos com performance obtida nas várias atividades. Tivemos participantes de diversos estados do país e todas as sessões estão sempre cheias”, comenta Rogério Lima, presidente da Abralic e professor do Departamento de Teoria Literária e Literaturas (TEL) do Instituto de Letras (IL) da UnB.

 

VIVÊNCIA E ESCRITA – Na quinta-feira (18), um dos destaques foi a mesa-redonda Cotidiano e fronteiras da escritura, que reuniu as escritoras Amara Moira, Cynthia McLeod e Conceição Evaristo. As convidadas falaram sobre a produção literária e temáticas de populações negra, transexuais e povos nacionais do Suriname no contexto pós-colonial. 

 

A escritora e travesti Amara Moira, doutora em Teoria Crítica e Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), propôs uma reflexão sobre como se dá a presença de transsexuais na literatura. “Estamos presentes nas obras reconhecidas como canônicas, a exemplo do Grande Sertão: Veredas. Mas estamos muito ou mais presentes na literatura tratada como lixo e que agora, após tantas décadas, começa a ser ressignificada.”

 

Moira avaliou que “os corpos trans se fazem muito presentes em textos tidos como pornográficos”, o que inclui a “produção de autores consagrados, mas que em determinados momentos escreveram textos considerados menores”, por abordarem a temática.

Amara Moira e Cynthia McLeod falaram das barreiras que precisaram romper em suas trajetórias. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

Um dos exemplos mencionados por Moira foi o conto Praça Mauá, da obra A via crucis do corpo, de Clarice Lispector, cuja forma de abordagem da sexualidade resultou à época em diversas críticas. Moira evocou a resposta de Lispector às críticas para enfatizar o tratamento dado às obras com presença de transexuais: “Uma pessoa leu meus contos e disse que aquilo não era litera­tura, era lixo. Concordo. Mas há hora para tudo. Há também a hora do lixo”, recitou o trecho de autoria de Clarice Lispector.

 

Moira recorreu também à produção da escritora Cassandra Rios. “Essa é uma figura da literatura considerada de baixa qualidade. Existe um grande desconhecimento de suas obras no meio acadêmico. Sua produção coloca a questão LGBT em termos completamente inacreditáveis para a época”, avaliou a escritora. A palestrante defendeu a necessidade de ressignificar a maneira como os corpos trans vêm sendo colocados na literatura. 

 

Já a surinamesa e romancista Cynthia McLeod contou ao público sobre sua motivação em produzir romances cujas tramas contemplassem fatos históricos de seu país. “Quando criança, realmente sentia falta de não ter aprendido nada na escola sobre nossa própria história. Claro, sabia que alguns dos meus ancestrais haviam sido escravos, mas nunca ouvi nada sobre eles”, compartilhou a escritora, em referência ao passado do Suriname como colônia europeia.

 

McLeod disse que em suas obras “poderia fantasiar e ser criativa nas emoções das personagens, mas nunca em fatos históricos”. Isso porque, durante muitos anos, no sistema escolar no Suriname, disciplinas como geografia, história e ciências falavam apenas sobre a Holanda, sendo que todos os livros eram importados daquele país.

 

Para mudar essa realidade, a escritora publicou seu primeiro romance em 1987.  “Tornou-se um verdadeiro sucesso e ainda é o número um em vendas no Suriname”, comenta a McLeod. “Muitas vezes as pessoas se perguntam por que esse livro se tornou tão especial. Eu sei a resposta: este foi o primeiro livro sobre a própria origem do Suriname”, completou a literata.

 

Além das obras de sua autoria, McLeod contribui para diversificar o ensino de literatura em seu país. “Com os colegas, mudamos o currículo da Literatura, de completamente holandesa e europeia para holandesa, latino-americana, caribenha e surinamesa. E nós introduzimos um assunto: literatura surinamesa. Não havia nada”, contou a escritora, que foi docente de língua e literatura holandesa em Paramaribo, capital do Suriname, entre 1969 e 1978.

 

A produção literária e suas potencialidades a partir da autoria negra ou afrodescendente no Brasil foi abordada pela escritora Conceição Evaristo. A autora é conhecida pelo processo de escrita por ela designado como escrevivência – construção que perpassa pelas memórias, sentimentos e vida cotidiana na condição de mulher negra e pobre. No ano passado, a literata esteve na UnB e falou sobre sua militância em prol de direitos historicamente negados à população negra no Brasil. 

Mesa foi composta por Cynthia McLeod, Cintia Schwantes (UnB) – como mediadora –, Conceição Evaristo e Amara Moira. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

“Afirmo que na vivência do meu corpo particular, esse corpo mulher negra, carrego a vivência coletiva de corpos negros e, mais distintamente, dos corpos das mulheres negras que atravessam profundamente a minha escrita”, declarou a autora de obras como Ponciá Vicêncio, que trata da discriminação racial e de classe vivida pela população negra.

 

Sobre o processo de escrevivência, Conceição Evaristo acrescentou: “se é para pedir licença para meu corpo entrar, pois ainda não encontrei formas de me desvencilhar dele no exercício da escrita, eu não peço. Enquanto crio, enquanto falo ou quando silencio, sempre o meu corpo, este corpo negro de mulher, me persegue”. A autora mencionou que os congressos da Abralic foram um dos primeiros espaços onde escritoras negras tiveram oportunidade de apresentar seus trabalhos. 

 

OPINIÃO – Participante do congresso, a docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Telma Borges agradeceu às escritoras pela forma como abordaram a temática. "Me sinto muito bem representada por esta mesa e por este auditório tão diverso. Completo 23 anos de participação em congressos da Abralic e hoje percebo como vale a pena forçamos nossa entrada nesses espaços. Essa é uma mesa histórica, que traz contextos fortes e impactantes", expressou. 

 

A professora da UFMG acrescentou que "é preciso novas ferramentas teóricas para compreender a literatura produzida por afro-brasileiros e autores de países colonizados". Ela convocou os demais participantes a "movimentar esses textos e fazer emergir uma teoria literária própria para abarcar as obras", referindo-se à obra Insubmissas lágrimas de mulheres, de Conceição Evaristo.

 

O presidente da Abralic acrescentou que o evento proporciona uma importante formação complementar para estudantes de graduação e pós-graduação. "Eles têm oportunidade de expor seus trabalhos em sessão de pôsteres. Além disso, entram em contato e podem dialogar com pesquisadores importantes que antes conheciam apenas pela bibliografia", pondera Rogério Lima. 

 

O docente acrescenta que vários estudantes estão atuando como monitores e, por isso, vivenciam os bastidores do evento. "Essa experiência é inestimável e poderá ser aplicada futuramente para atuarem na organização simpósios, seminários  e outros eventos acadêmicos."

 

Público aprovou a programação do XVI Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic). Foto: Raquel Aviani/Secom UnB
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