OPINIÃO

Ana Vitória Sampaio é doutoranda em História pela Universidade de Brasília, onde se dedica à História das Mulheres e do movimento feminista no Brasil

Ana Vitória Sampaio

 

Devemos olhar para Brasília. O país vive uma crise política e econômica. Mas outra realidade inconveniente também bate à nossa porta: a da violência contra a mulher.

Menos de 48 horas após o assassinato de Louise Ribeiro por Vinicius Neres, seu ex-namorado, em um laboratório da Universidade de Brasília, o Distrito Federal testemunhou outro caso de feminicídio. Jane Fernandes Cunha foi morta pelo ex-companheiro, Jhonatan Pereira Alves, em Samambaia, na presença de um primo de 12 anos. Após atirar contra ela, Jhonatan se suicidou. Jane já havia entrado com boletim de ocorrência por agressão na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, o que não foi suficiente para evitar sua morte.

Se alguém me perguntasse quais medidas poderiam ser tomadas para erradicar esse tipo de crime, já que me dedico aos estudos de gênero há alguns anos, minha resposta passaria pela educação. Gênero tem que ser discutido nas escolas, abordando os direitos humanos, a diversidade e a história das mulheres para que os alunos, desde a mais tenra idade, desconstruam essa hierarquia entre os sexos tão naturalizada em nossa sociedade. Hierarquia presente até mesmo nos materiais didáticos oferecidos às escolas.

Além disso, uma educação que ensinasse aos meninos a lidar com as emoções. Mais do que ensinar que meninas são seres humanos como eles, também é conveniente mostrar o que há de humano no gênero masculino. Há uma diferença gritante entre homens e mulheres na hora de lidar com a rejeição.

Desde pequena aprendi que o meu destino era o casamento, independente do que eu iria fazer da minha vida profissional. Nas estorinhas que me contavam havia princesas, gatas borralheiras e donzelas que eram salvas pelo amor encarnado na figura de um príncipe. Já maior, os primeiros livros que li versavam sobre o amor e todas as suas desventuras. Aos 11 anos me apaixonei por um menino da escola e lá estava eu chorando pelo afeto não correspondido, já que ele gostava de uma menina mais bonita e mais penteada do que eu.

A possibilidade de viver o sofrimento amoroso é uma realidade. Mulheres aprendem a suspirar com poesias desde muito cedo e, desde muito cedo, aprendem a chorar por um amor que não deu certo. Homens dizem que mulheres conseguem sexo mais facilmente. Isso pode até ser verdade, mas no final a última palavra sobre ter um relacionamento ou não continua sendo deles. Para algumas de nós ser assumida como a "namorada oficial" ainda tem um valor imenso, e isso também precisa ser desconstruído.

Vejo muitos rapazes que, ao chegarem à idade adulta, nunca passaram pela experiência de um namoro sério. Ostentam isso com orgulho, pois demonstrar frieza e autocontrole é um capital de valor inestimável numa sociedade em que as relações afetivas são avaliadas por "quem corre atrás" e "quem esnoba". Já uma mulher que chega aos 20 anos sem nunca ter apresentado um namorado para a família é uma fracassada - ou uma vadia. Não sei vocês, mas eu vejo algo MUITO errado nesse sistema de avaliações.

Gaslighting, manipulação, indiferença e machismo ainda são ingredientes de muitos relacionamentos heterossexuais entre pessoas jovens. Mas como a sociedade não é a mesma de antes - quando uma mulher era levada a se casar se tivesse tido relações sexuais com o namorado para não perder valor no mercado matrimonial -, muitas de nós terminamos um namoro pelo simples fato de não estarmos mais felizes. E isso incomoda. Como assim uma mulher diz "não" para uma relação estável e cheia de promessas para o futuro?

Além disso, muitos homens são criados como reizinhos pela família, mesmo nas mais pobres. Muitos cresceram sem nunca terem ouvido uma resposta negativa do pai e da mãe. Debaixo de toda essa indiferença e frieza, existem pessoas que tremem diante da possibilidade de serem abandonadas ou trocadas. E quando isso acontece, não raramente descobre-se que aquele cara centrado e exemplar é, na verdade, um homicida. A metáfora do copo transbordando cabe aqui: o copo é o homem e a água são os sentimos que ele comporta até determinado limite. Não tem jeito: uma hora ela vai transbordar, a menos que esse indivíduo seja familiarizado aos sentimentos e todos os riscos que eles trazem. O amor é sempre um risco. Sinto muito se não falaram sobre isso antes.

Mulheres são pessoas inteiras e autônomas. Temos os nossos próprios sonhos, expectativas e também a liberdade de dizer "sim" e "não". Não somos propriedade de ninguém, e quando os homens descobrirem isso, creio que suas vidas também serão mais leves. Talvez com mais lágrimas e dores de cotovelo, mas sem assassinatos, suicídios, perseguições e ameaças.

Deixo aqui meus sentimentos às famílias de Louise e Jane, e meus votos para que nenhuma outra mulher seja vítima de feminicídio, a verdadeira ferida aberta de nosso país.

Publicado originalmente em 16 de março no jornal Folha de S. Paulo.