OPINIÃO

Bruno Lara é jornalista e pesquisador. É doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio Janeiro e tem pós-doutorado na mesma área pela UnB.

Bruno Lara

 

Vez ou outra, eu ouço críticas à Constituição Federal de 1988, no sentido de ela ter “muitos direitos”. Cada vez que alguém fala isso, penso que são Ulysses Guimarães deve se revirar onde estiver. Considero a nossa atual Carta muito boa. São esses direitos que dão ao documento o apelido de Carta Cidadã, embora tenha sido bastante mexida desde então. Houve alguns importantes avanços em benefício do povo, mas também houve retrocessos que limitam a democracia e a cidadania.

 

Se retomarmos o filósofo francês Claude Lefort, vamos perceber que a criação de direito é um conceito central e fundante da sociedade democrática. Sem a constante criação de direitos, aperfeiçoando o sistema, não há democracia. Simples assim. A democracia real é, necessariamente, popular. Não é aristocrática, meritocrática e nem tecnicista.

 

Nesse sentido, não há, de maneira alguma, que se falar em “direitos demais na Constituição”. Um direito escrito não é garantia do usufruto desse direito. Apenas abre caminho para as lutas em busca da efetivação dos direitos registrados na Carta e nas leis. Quando alguém fala sobre “direitos demais”, que “o trabalhador está custando muito caro”, que “é melhor para a economia acabar com o 13º salário”, que (antigamente) a escravidão pode prejudicar a economia, significa que esses emissores querem vender a ideia de que a sociedade e o Estado não têm como dar conta de vida digna a todos. É mais ou menos aquele clichê do cobertor curto do orçamento do Estado brasileiro (ai, que preguiça!), cujo Produto Interno Bruto (PIB) é quase 7,5 trilhões de reais – e muitas vezes a gente fica mendigando R$ 1 bi pra lá e R$ 1bi pra cá.

 

A nossa Constituição garante, por exemplo, que o salário-mínimo deve dar conta da alimentação, transporte, lazer, escola, saúde, moradia, higiene etc. Dada a história e o contexto brasileiros, é uma piada. Se a gente tiver um Estado neoliberal, que transfere aos cidadãos responsabilidades que seriam de políticas públicas, o potencial de consumo do salário, claro, é drasticamente reduzido. O valor do plano de saúde, por exemplo, é uma ofensa, uma afronta, um deboche e uma crueldade.

 

Foucault chamou de “empresário de si” essa ideia sobre o indivíduo contar menos com o Estado e muito mais com a sua própria força. É a pessoa entendida como “capital humano”, a economia no DNA do indivíduo. Houve uma radicalização e distorção da noção liberal de indivíduo, desumanizando a pessoa, tentando desconectá-la da coletividade o quanto possível, além de desvalorizar a importância do Estado, de políticas públicas e da solidariedade.

 

Após quatro décadas sob um Estado fortemente neoliberal, o povo chileno não aguentou: exigiu uma nova Constituição, que agora deve ser elaborada por forças sociais, mais plurais, solidárias e inclusivas. A vida sacrificada e dura é um projeto político, que para ter sucesso depende de base social. Para isso, é preciso uma estratégia muito eficiente de comunicação, de forma a convencer a população de que medidas prejudiciais a si mesma devem ser adotadas em favor do bem comum (o tal do “remédio amargo”). Daí a importância da democracia, também, na imprensa e na comunicação.

 

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