“A realidade do Brasil é de um país abundante: temos 98% das reservas de nióbio do planeta (metal raro no mundo, muito demandado pela indústria de alta tecnologia); terceira maior reserva de petróleo; maior reserva de água potável; riquezas minerais, biológicas e culturais; potencial energético; clima favorável; extensão territorial continental e um povo falando a mesma língua. Mas o cenário que vivemos é de desemprego, queda da atividade comercial, privatização e encolhimento do PIB. Como é possível esse cenário de crise em um país naturalmente tão rico?”
Foi com essa reflexão que a palestrante Maria Lucia Fattorelli, auditora-fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora nacional da associação Auditoria Cidadã da Dívida, deu início à palestra de abertura do Movimento Sementes de um Novo Brasil: Clareando Caminhos. O encontro, que ocorreu na quarta-feira (5), no auditório da Reitoria da Universidade de Brasília, teve apoio do movimento 2022 - o Brasil que queremos, iniciativa apartidária conduzida pelo Núcleo de Estudos do Futuro da UnB em parceria com a União Planetária.
De acordo com dados apresentados por Fattorelli, o crescimento da dívida pública brasileira foi de R$ 732 bilhões em 11 meses e isso seria o fator determinante da crise. "Quando fizemos um balanço das contas com os dados publicados pelo governo, sobraram R$ 480 bilhões em 2015. Onde foi parar esse dinheiro? Ele foi destinado ao avanço de concessões ao capital financeiro com juros altos, lucros de bancos, swap cambial, operações compromissadas. Termos difíceis para que a população se mantenha longe do assunto e, dessa forma, seja saqueada", aponta a ativista.
A proposta defendida pela associação é de que haja uma auditoria da dívida externa, conforme previsto na Constituição Brasileira. "No ano passado, o lucro dos bancos, mesmo diante da crise, cresceu quase 20%. É evidente que existe uma engrenagem que exige recursos públicos para o setor financeiro e essa engrenagem é chamada de dívida pública", sustentou.
A associação é contra a PEC 241/2016 (que propõe o congelamento de gastos em áreas como saúde e educação pelos próximos 20 anos) e atua para que a população se engaje no debate econômico e faça pressão sobre os parlamentares. “Vamos derrubar o mito de que falar de dívida é para especialistas. Queremos falar com o catador de lixo, com os povos indígenas, com os analfabetos, com todos. Só poderemos remover essa pedra quando coletivamente participarmos desse debate e fizermos pressão nos parlamentares”, defendeu.
PAUTA AMBIENTAL – Fazer uma análise isenta de influências financeiras e políticas sobre os impactos do rompimento da Barragem de Fundão na Bacia Hidrográfica do Rio Doce é o propósito do Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental (Giaia). O coletivo foi formado a partir da mobilização, pela internet, de pesquisadores brasileiros autônomos de diversas áreas do conhecimento preocupados com as consequências do desastre ambiental.
Vívian da Silva Santos, doutora em Toxologia de Metais pela Universidade de São Paulo e pela Vanderbilt University Medical Center (Nashiville, Tennessee, Estados Unidos) e professora da UnB, é uma das voluntárias do Giaia. Ela e duas orientandas do mestrado e doutorado participaram de expedições, realizadas em dezembro do ano passado e abril deste ano, ao longo de toda a bacia do Rio Doce para colher amostras para análise.
De acordo com a pesquisadora, os metais encontrados em concentrações expressivas que tiveram maior correlação com a lama da barragem foram ferro, manganês, alumínio e urânio. “Em excesso, eles podem ser tóxicos. O alumínio, por exemplo, está relacionado ao Alzheimer. O urânio é carcinogênico. O que queremos mostrar é que esse desastre é um problema de saúde pública que deve ser acompanhado com atenção”, afirma Santos.
Um aspecto enfatizado pela especialista é que o efeito tóxico dos metais geralmente só é percebido na população a longo prazo e que, por isso, nem sempre a correlação direta com essa causa é estabelecida. Para Santos, o Rio Doce deve ser monitorado continuamente. "Nossa pesquisa mostra que, seis meses depois do desastre, as concentrações de ferro disponível na água aumentaram. A água subterrânea no Espírito santo está extremamente contaminada com ferro, na forma mais biodisponível. O Rio Doce é uma bomba relógio, que pode estourar a qualquer momento, se houver outro impacto que movimente os sedimentos já depositados”, afirma a pesquisadora.
REFLEXÕES – Também palestrou no encontro o ativista indígena dos direitos humanos Ailton Krenak, escritor e doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFRJ). Nascido em Minas Gerais, ele representa também todo o povo da etnia Krenak, que vive sob a bacia do Rio Doce e viu sua fonte de sustento ser inundada por um grande lamaçal.
“A gente pode até não conseguir enxergar os truques das dívidas. Mas eu duvido que a gente não enxergue nossas florestas sendo cortadas e nossos recursos naturais sendo saqueados. Quando esses reservatórios estiveram no limite tóxico e se derramaram sobre tudo, nem disso foi possível fazer uma auditoria. Se isso não pode ser objeto de auditoria, imagina essa dívida fabricada, que mais parece uma ilusão, um grande truque de mágica”, ironizou o intelectual traçando um paralelo entre o cenário econômico e ambiental do país.
SOBRE – A programação marcou o início das atividades do Movimento Sementes de um Novo Brasil; Clareando Caminhos, iniciativa apartidária com foco nas questões econômicas, sociais e ambientais com objetivo de identificar entraves e propor soluções. As boas vindas aos palestrantes e participantes foram dadas pelo Coordenador do Núcleo do Futuro (n-Futuros/ CEAM/UnB), Isaac Roitman.