MEIO AMBIENTE

Professores da UnB investigam fatores que agravaram a redução nos níveis dos mananciais dos sistemas de abastecimento da região

 

“A questão do uso da água é uma equação simples de matemática: a quantidade de água no mundo é constante, só que estamos cada vez mais aumentando a população e as atividades que têm demandado água nos seus processos. Isso diminui a quantidade disponível por habitante.” Esse é o cenário previsto pelo professor Oscar de Moraes Cordeiro Netto, do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos da Universidade de Brasília, para os próximos anos no Brasil e no mundo.

 

Na capital federal, os indícios de uma crise de abastecimento se tornaram concretos nos últimos meses: o nível do reservatório do rio Santa Maria, que abastece o Plano Piloto e outras regiões administrativas, caiu para 43,03% de sua capacidade em outubro de 2016, e chegou a 41,1% neste mês de janeiro. Já a Barragem do Rio Descoberto, que fornece água para 65% da população do Distrito Federal, atingiu em novembro do ano passado menos de 20% de seu volume, porcentagem que levou a cidade a entrar em estado de restrição. 

 

Em janeiro deste ano, o reservatório chegou ao menor nível registrado na história, com 18,94%, percentual abaixo do limite recomendado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa). Por isso, a Adasa considerou este o pior momento vivido pela capital federal nos últimos 30 anos.

 

Arte: Marcelo Jatobá/Secom UnB

 

Um dos motivos para que se chegasse a esse cenário foi o aumento drástico no consumo nos últimos anos. Isso porque a população do Distrito Federal tem crescido em cerca de 60 mil pessoas anualmente, o que reflete diretamente no abastecimento da cidade. “Brasília tem uma situação bastante particular e crítica, com uma das maiores populações do país. Isso pressupõe um grande consumo de água para atividades associadas a um aglomerado dessa proporção”, avalia o professor Oscar de Moraes.

 

A região é uma das que mais consomem água no país, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Em 2015, o consumo médio por habitante era de 184 litros diários, quase o dobro do que o preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a manutenção de necessidades básicas. A média nacional é de 150 litros ao dia para cada habitante.

 

Segundo a Adasa, 80% do fornecimento de água feito pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) são destinados ao consumo residencial, o que justificaria medidas mais drásticas para redução do consumo. Essa é a explicação da companhia para ter adotado, desde o final de 2016, o aumento da tarifa para consumidores que usarem mais de 10 mil m³ de água por residência. Na última semana, também estabeleceu um plano de racionamento que afetará 15 regiões administrativas.

 

Oscar de Moraes coordena o Projeto RIDEsab, que propôs análise do saneamento básico no Distrito Federal e Entorno. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

No entanto, para Oscar de Moraes, além do aumento da demanda, outros importantes fatores contribuíram para agravar a situação. O docente coordena o projeto RIDEsab, desenvolvido com outras três instituições de ensino brasileiras, com o intuito de traçar um diagnóstico do saneamento básico das três Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDE) existentes no país – entre elas, a do Distrito Federal e Entorno –, além de propor ações possíveis de serem implantadas pelos municípios.

 

Os resultados obtidos em Brasília, até então, apontaram para a deficiência na prestação de serviços para abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, no sistema de drenagem urbana, além da má gestão de resíduos sólidos, que também afeta o escoamento da água.

 

Além desses elementos, a alteração nos ciclos das chuvas, a própria geografia da cidade – localizada no Planalto Central –, as lacunas no sistema de captação e o mau planejamento na ocupação do solo são considerados pelo especialista como decisivos na crise hídrica. “Brasília é particularmente uma região sensível por ter longos períodos de seca, estar situada em área que só tem nascentes, não possuir rios de grande volume, e por ter esse rápido crescimento da população”, comenta Moraes.

 

Sérgio Koide avalia que mudança no período de chuvas foi fator decisivo na redução dos níveis dos principais reservatórios do DF. Foto: Júlio Minasi/Secom UnB

CHUVAS – Sérgio Koide, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental e coordenador dos projetos sobre Manejo de Águas Pluviais em Meio Urbano e para avaliação do impacto do uso da terra nos sistemas do Descoberto e Paranoá, acredita que o atraso no período de chuvas em 2016 foi também significativo para o problema da escassez.“Tradicionalmente, na época de seca, a Caesb retira do sistema do Descoberto mais água do que chega ao reservatório. O problema é que, em 2016, estava chegando muito menos”, comenta o docente.

 

Koide alerta que, quando houver regularização do ciclo de chuvas, os rios poderão voltar a ganhar maior volume, ainda que em algumas das bacias essa reposição possa ser lenta. No caso de regiões administrativas abastecidas por sistemas isolados sem reservatório, como Sobradinho e Planaltina, esse é um fator decisivo para que o abastecimento retorne à normalidade. Esses e outros locais passaram por períodos de racionamento em função dos baixos níveis das represas de onde é realizada a captação.

 

PLANEJAMENTO URBANO  Somada ao comprometimento nas reservas de água pelo período de estiagem, a ocupação urbana desordenada, sobretudo nas proximidades das bacias que alimentam a cidade, trouxe sérias consequências à reposição de aquíferos subterrâneos pelas águas pluviais. “Quando se tem uma ocupação urbana muito grande, se diminui a infiltração de água no solo. Uma parte da água que se infiltra vai sair nos rios meses depois. Isso os mantém na época de seca”, explica Koide.

 

Mapa sobre risco de perda de recarga de aquífero no DF. Fonte: Site do Zoneamento Ecológico-Econômico do Distrito Federal 

 

Segundo o docente, esse é um problema que já afeta locais como Vicente Pires e Águas Claras, que, em função da impermeabilização do solo, enfrentam dificuldades no escoamento da água da chuva. E poderá se estender a outras regiões. “Um fator preocupante é o que está acontecendo na bacia do Descoberto. Começaram a aparecer na região parcelamentos de chácaras, o mesmo que ocorreu anteriormente em Vicente Pires, que era um setor de chácaras e teve uma ocupação intensa com construção de casas, ocasionando problemas na drenagem”, alerta.

 

Nos projetos sob sua coordenação, Koide e outros pesquisadores têm buscado soluções urbanísticas adequadas para manejo de águas pluviais, preservação dos recursos hídricos e redução de enchentes, analisando dinâmicas como a da expansão do uso e ocupação do solo e do escoamento. Para o professor, com a finalização do Zoneamento Ecológico- Econômico, documento que orienta sobre a vocação de cada local do Distrito Federal para os diferentes tipos de ocupação, será possível, junto ao Plano Diretor de Ordenamento Territorial, planejar melhor a infraestrutura urbana, de modo a contribuir com preservação das bacias que alimentam a região.

 

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