OPINIÃO

José Flávio Sombra Saraiva é diretor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq, Ph.D pela Universidade de Birmingham, Inglaterra.

José Flávio Sombra Saraiva

 

O Brasil, país continental dotado de múltiplas possibilidades para avançar na modernidade mundial, recua. Difícil se ver uma seta ascendente consistente que informe a boa nova de que o Brasil irá recompor-se no ano de 2017. O PIB é declinante. As famílias sofrem com a falta de trabalhos para seus filhos. Avanços societários e de projeção externa que foram conseguidos em algumas poucas décadas estão no ralo da corrupção e na má gestão das elites brasileiras.


As barbáries intestinas nas penitenciárias, na semana passada, reforçam o nojo das elites de um país que não tem o que fazer com uma das maiores populações carcerárias do mundo. Vejam como outros países resolveram esse problema, como Estados Unidos da América, Chile, Colômbia, Portugal e China. Pois lhes deem escolas, educação, emprego digno, amor ao seu país, além de dura guerra interna às facções bandidas que já mandam em parte do território pátrio, amarradas às fronteiras sul-americanas em uma economia das drogas.


Mas líderes estão escassos no Brasil. Pareto, o pensador italiano, definia o termo elite à forma positiva e inteligente da política democrata na qual se destaca uma pessoa preparada para ajudar a construção societária e estatal ao mesmo tempo. A linha da confiança nos líderes está, naturalmente, na aceitação da sociedade e na confiança depositada. A quadra no Brasil exigiria grande compreensão e aptidão dessas elites (se ainda existem) em torno de um trabalho transformador na presença nos fatos e processos difíceis que exigem a boa liderança, ao lado da coragem, da integridade e principalmente ao respeito dos governados.


Um grande líder poderia, respeitando as regras do jogo democrático, atravessar esses tempos tão interessantes no Brasil? Tinha um nome, ou uma ilusão, que chegasse alguém como ele: o político Mário Soares, o maior político português. Mário amou o Brasil como ninguém que nasceu nas passagens lusitanas europeias e africanas. A sua falta, diante da sua morte no fim de semana, não é apenas uma saudade dos portugueses. O maior amigo do Brasil, Mário era fã das possibilidades do Brasil, como dizia, "o grande Portugal". O Brasil, para Mário, era forma mais ampla de Portugal, ventilado pelas novas vagas imigrantes, o centro da cultura e da economia do mundo que os portugueses criaram na Terra, da extensa do Timor português, passando pela África até o imenso Brasil.


Saudades de Mário Soares. Foi ele que levou Portugal à democracia, para a Europa, para refrigerar as arcaicas ideias de parte dos velhos portuguesas daquele tempo. Soube negociar com os norte-americanos para arranjar um modelo socialismo à Península Ibérica, nos anos 1970, empurrando o comunismo para o canto, além de ter ampliado o escopo econômico de Portugal nas relações internacionais de hoje. Um desses é o novo secretário geral da ONU, um discípulo de Mário.


Adorava Mário passar pelas cidades pequenas perto de Brasília, ao lado do Cristovam Buarque, nos anos 1980 e 1990. Com Mário estive, intensamente nos inícios dos anos 2000, para jamais esquecer sua animação pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Morre um líder da cultura luso-brasileira que amou o Brasil. Pois que nasça um líder brasileiro que ame o Brasil.

 

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Publicado originalmente em O Povo - CE em 11/01/2017

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