OPINIÃO

João Carlos Teatini de Souza Clímaco é Ph.D. em Estruturas pela Polytechnic of Central London e professor associado do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB).

João Carlos Teatini S. Clímaco

 

Em artigo de abril/2010 – “Brasília precisa da Copa do Mundo?” –, eu questionava a realização do evento, em razão da corrupção denunciada pela operação Caixa de Pandora e na reforma do estádio Bezerrão para uma partida Brasil-Portugal. O governador José Roberto Arruda resultou preso, o vice Paulo Octávio renunciou, dois deputados distritais renunciaram e outra teve o mandato cassado, após divulgação de vídeos embolsando maços de notas e rezando uma tocante oração da propina! A defesa de Arruda alegou que o dinheiro seria “para comprar panetones para o Natal dos pobres...”

 

O artigo argumentava que os recursos do GDF para a Copa 2014 seriam melhor destinados a áreas realmente prioritárias e opinava, também, que Goiânia era mais viável como sede no Centro-Oeste, pois exigia apenas uma reforma apropriada no belo estádio Serra Dourada e, além disso, a cidade conta com três clubes nas séries A e B do campeonato brasileiro de futebol.

 

Ainda em 2010, a queda dos políticos citados elegeu ao governo do DF a chapa Agnelo Queiroz - Tadeu Filippelli, exótica coligação PT/PMDB, que também conduziu ao desastre na Esplanada! A dupla do GDF prometeu o estádio Nacional (da qual tentaram tirar o nome do inesquecível craque Mané Garrincha) para 45 mil espectadores, mas após a vitória subiram para 75 mil, alegando trazer a abertura ou a final da Copa. Não conseguiram trazer nenhuma! Com amplo apoio da mídia e da maioria dos políticos locais, o orçamento inicial da arena foi noticiado como R$600 milhões, mas concluído pela ninharia de R$1,6 bilhões!

 

A população assistiu a tudo passivamente... Nos primeiros jogos, houve algumas manifestações, ferozmente reprimidas pela PM/DF, como de praxe, e engrossadas por oportunistas do ‘fora Dilma’. Ainda assim, até as peladas aqui realizadas lotaram, com entradas a preços assustadores!

 

Agora o desfecho mais recente: Arruda, Agnelo e Filippelli presos pela Polícia Federal, em maio de 2017, por corrupção na obra do estádio, na operação Panatenaico (juro que queria participar da escolha dos nomes dessas operações). No relatório final, a PF apontou “[...] indícios contra os três políticos e outras 18 pessoas, entre ex-gestores, advogados e empresários de alguma forma vinculados à construção do estádio [...] e um superfaturamento estimado de R$ 559 milhões na obra.” (portal Metrópoles, 14/09/2017)

 

O estádio mais caro da Copa e que não recebeu empréstimos do BNDES, como as demais sedes, usando apenas recursos da Terracap, empresa pública do GDF! Para agravar, essa operação financeira não era prevista nas atividades da companhia, sendo realizada sem estudos prévios de viabilidade econômica. Ainda segundo a PF, Arruda teria sido o “[...] mentor de toda a fraude licitatória”, com o prejuízo atingindo o DF e a União, que detém 49% das ações da Terracap. Nesse esquema, foi usado um tal de ‘regime diferenciado de contratações’.

 

É triste informar, mas o DF não foi exceção. Segundo o portal Contas Abertas (15/05/2017), nas delações de ex-executivos das empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez, dos 12 estádios das cidades-sedes da Copa 2014, apenas os particulares Beira-Rio (Porto Alegre) e Arena da Baixada (Curitiba) não foram alvos de denúncias de crimes, como cartel, pagamento de propinas e caixa 2!

 

Ainda do meu artigo de 2010, aventei questões sobre o Mané Garrincha e fiz um apelo final: “Suas respostas não cabem aos governantes de plantão do DF e seus eventuais parceiros, mas a quem vai pagar a conta: a União, os patrocinadores, ou, em última análise, as sociedades brasileira e brasiliense!”. Assim, o presente texto é, em parte, um desabafo, mas outra razão é a frase do grande jornalista e escritor Ivan Lessa (1935/2012), um dos fundadores de O Pasquim: “De 15 em 15 anos, o Brasil esquece tudo que aconteceu”!

 

Para uma ordem de grandeza do escândalo do Mané Garrincha, comparemos com o orçamento final de custeio da Universidade de Brasília em 2017 (pagamentos de luz, água, telefone, internet, pessoal de limpeza, segurança, manutenção de equipamentos, bolsas-auxílio a alunos carentes, etc.): R$130 milhões = 12,3 vezes menor que o preço final do estádio ou 4,3 vezes menos que somente o superfaturamento! Sem reajustes... Vale enfatizar que o MEC ainda não liberou esses recursos integralmente, sendo que já havia cortado da UnB R$80 milhões do custeio previsto.

 

Voltando à arena que nem panetones explicam, a imprensa nacional relatou que Brasília, Cuiabá e Manaus, são as três mais deficitárias após a Copa! Quem a administra no GDF, a Secretaria de Esporte, Turismo e Lazer, relatou um prejuízo de quase R$7 milhões em 2016, apesar dos inúmeros jogos em Brasília, com o Maracanã fechado pelas Olimpíadas no Rio de Janeiro. Além disso, a Terracap consome R$700 mil/mês só com a manutenção do estádio e teve que cortar o patrocínio do UniCeub/Basquete e Brasília/Vôlei. Ufa!

 

Segundo uma das leis de Murphy, “nada é tão ruim que não possa piorar”: uma concorrência da Terracap para um complexo Mané Garrincha, Parque Aquático Cláudio Coutinho e Ginásio Nilson Nelson, prevista para junho/2017, foi adiada pela Secretaria de Gestão do Território e Habitação, do próprio GDF. Motivo? O conjunto pertence à área de tombamento de Brasília e exige autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e da Secretaria, responsáveis pelas intervenções urbanas nessa área!

 

E a Universidade de Brasília? Participou das discussões prévias sobre a Copa 2014 e a construção do estádio? Caso afirmativo, por que não foi divulgado? Se negativo, não é muito difícil imaginar resposta...

 

Sabendo do potencial e da competência de nossa instituição, a UnB ainda poderia socorrer esse ‘elefante cinza’ de arquitetura duvidosa no centro de Brasília (na minha modesta opinião de engenheiro...), até para resgatar a memória do nosso Mané, buscando soluções criativas para seu uso no esporte escolar, educação, saúde, etc. Vejam o exemplo do Sambódromo da Marquês de Sapucaí no Rio de Janeiro, com arquitetura de Oscar Niemeyer, por exigência de Darcy Ribeiro, à época vice-governador de Leonel Brizola, por isso sem divulgação na mídia global...

 

A UnB e a sociedade do DF podem contribuir muito na discussão dessa concorrência pública do complexo Mané Garrincha e, também, na efetivação do plano das obras com financiamento público do projeto da Copa 2014. Seria mandatório, desta vez, o chamamento do governo do DF e sua classe política. Basta vontade!

 

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