OPINIÃO

Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília e professora do Instituto de Geociências. Doutora em Geologia pela UnB.

Márcia Abrahão Moura

 

Em agosto, a Universidade de Brasília (UnB) teve a honra de receber Aaron Ciechanover, ganhador do Prêmio Nobel de Química de 2004. O professor descreveu, em uma palestra riquíssima, o passo a passo da investigação que o levou a receber o maior reconhecimento acadêmico do mundo.

 

Em seu relato, Ciechanover falou da importância da ciência pura, de base, para o desenvolvimento da sociedade. A trajetória dele é um exemplo disso. Depois de estudar o funcionamento da proteína chamada ubiquitina, por “curiosidade”, o professor viu o achado se tornar central para a moderna medicina de combate ao câncer.

 

Ciechanover, entretanto, não se limitou a esse aspecto. Falou, também, sobre quão importantes são as universidades. Lembrou que essas instituições sofrem pressões grandes e contínuas e que o orçamento para a ciência é o primeiro a ser cortado nas crises, o que, na opinião dele, é um erro estratégico.

 

Ouvir uma defesa tão convicta da relevância da pesquisa para a humanidade foi emocionante, ainda mais diante da situação atual da ciência e das universidades no Brasil. Neste ano, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) foi 50% menor do que o de 2010 (em valores corrigidos).

 

Pesquisadores de todo o país vivem uma incerteza constante quanto à manutenção de condições mínimas para o desenvolvimento dos projetos, o que contribui para que cada vez menos pessoas se interessem pela carreira acadêmica. O cenário é tão dramático que, em setembro, 23 ganhadores do Prêmio Nobel encaminharam uma carta ao presidente Michel Temer, alertando para os riscos da falta de investimento na área.

 

Os cortes emergem também na educação. Em termos orçamentários e sem contar a inflação, de 2014 a 2017, as universidades federais tiveram redução média de 50% dos recursos de capital e de 20% dos recursos de custeio. Além disso, o repasse financeiro – o montante que chega às instituições para o pagamento das contas — tem ficado em apenas 60% do valor liquidado. Ou seja, é preciso priorizar o que pagar.

 

Não bastasse a asfixia orçamentária e financeira, as universidades públicas vêm sendo alvos de acusações como a de falta de transparência e planejamento, as quais têm o intuito de imputar às instituições, de maneira genérica e superficial, o ônus da má gestão e da opção dos governos de não priorizar o investimento em educação.

 

Ressurge, nesse cenário, a proposta de cobrança de mensalidades, valendo-se do senso comum de que as universidades são redutos da elite econômica. Isso está longe da realidade. Nos últimos anos, as cotas raciais e sociais, adotadas de diferentes formas pelas instituições federais, democratizaram o acesso ao ensino superior. Hoje, na UnB, metade dos ingressantes são oriundos de escolas públicas.

 

Sabemos que a eficiência é um dos princípios mais relevantes da administração pública e que é inegável que as universidades federais trabalham para aperfeiçoar seus processos, atualizar seus sistemas de gestão e reduzir a burocracia. Por isso, vemos com muita preocupação a espetaculização de ações rotineiras de fiscalização como forma de desacreditar as universidades públicas e relativizar a sua importância para o desenvolvimento do Brasil.

 

Como bem lembrou Ciechanover, as universidades são, por excelência, o espaço do conhecimento, das reflexões, da criatividade e da inovação. Portanto, em momentos de dificuldade, deveriam ser fortalecidas e consideradas parceiras na busca de alternativas e soluções. Encará-las como um ônus para o Estado é reduzir os nossos horizontes de crescimento e sacrificar as novas gerações.

 

Para superar as dificuldades, é imprescindível a utilização plena dos recursos arrecadados pelas instituições por meio de projetos de pesquisa e inovação. Atualmente, esses recursos só podem ser usados até o limite autorizado pelo governo federal – e esse limite não tem sido ampliado, mesmo com reiterados pedidos, desde o início do ano. Essa pauta é urgente e precisa ser discutida pelo poder público, pois estimularia as instituições a captar recursos, em complemento aos recursos estatais, contribuindo decisivamente para gerar riqueza e desenvolvimento econômico.

 

Por isso, neste 25 de outubro, a UnB se une ao Dia C da Ciência, uma mobilização nacional para sensibilizar a sociedade sobre a importância que universidades e institutos de pesquisa têm para o país. O Dia C da Ciência na UnB ocorre durante a Semana Universitária — o maior evento acadêmico da universidade, que reúne, até sexta-feira (27), professores, técnicos e estudantes em diversas atividades gratuitas abertas à comunidade do Distrito Federal.

 

Assim, a Universidade de Brasília se integra à comunidade de Brasília e do Brasil para construir um futuro melhor e para defender a ciência e a ousadia, duas premissas que guiaram os fundadores da instituição — Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira —, os quais, como tantos outros educadores brasileiros reconhecidos nacional e internacionalmente, seguem nos inspirando.

 

______________________________________________________________________________
Publicado originalmente no Correio Braziliense em 25/10/2017.

Palavras-chave