OPINIÃO

Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Isaac Roitman¹

 

Não conseguia adormecer. Atormentava-me a crescente desigualdade social no Brasil, as notícias sobre a corrupção, o drama dos refugiados em barcos frágeis no Mediterrâneo e a falta de esperança em uma renovação plena nas eleições de 2018. Para atrair o sono comecei a contar os candidatos para a Presidência da República e continuei contando carneirinhos. Depois de muito tempo finalmente adormeci. Sonhei que acordei no dia 01 de janeiro de 2019, uma terça-feira, dia da posse do novo presidente do Brasil. O dia ensolarado trazia sinais de um futuro virtuoso para o país. O povo cansado dos discursos eleitorais demagógicos e do comportamento mesquinho e oportunista do mundo político, deu um basta retirando do cenário político aqueles que não souberam honrar os mandatos. Foram eleitos os novos dirigentes que preencheram os requisitos de mérito nas cinco dimensões descritas abaixo.

 

A primeira dimensão envolve o amor e a humildade. Esse conceito parece nunca ter sido incorporado na política brasileira. É pertinente refletir sobre as palavras do Papa Francisco: "Quem governa deve amar o seu povo, porque um governante que não ama não pode governar: no máximo poderá disciplinar, colocar um pouco de ordem, mas não governar". Ele destacou também que cidadãos não podem ignorar a política e afirmou: "Hoje, cada homem e cada mulher que deve tomar posse de um trabalho no governo deve fazer-se duas perguntas: eu amo o meu povo, para servi-lo melhor, sou humilde e ouço os outros, as diversas opiniões, para escolher o melhor caminho"? O bom governante deve ser humilde para reconhecer os seus erros. Nunca deve procurar justificá-los, mas admiti-los e imediatamente corrigi-los.

 

A segunda é a ética. Derivado do grego ethos (caráter) representa um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade e que estão relacionados com o sentimento de justiça social. O governante, deve ser absolutamente transparente. Não deve roubar e não deixar roubar. Deve ter tolerância zero com todos os atos de corrupção sem a mínima transigência. A ética não pode não pode se distanciar do campo da política. Em um de seus pronunciamentos como candidato à presidência da República, Rui Barbosa afirmou: "Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da moral. Toda a política deve ter a moral por norte, bússola e rota". Os governantes devem sempre conduzir suas decisões e ações com critérios de probidade e justiça. Não há como pensar a vida em sociedade sem respeitar princípios e sem organização política.

 

A terceira é o espírito público. É fundamental que o governante coloque o interesse público acima de todas as coisas. Ter espírito público significa colocar os interesses da comunidade acima de interesses pessoais ou de grupos. O governo não deve ser, jamais, um condomínio de parentes, amigos, correligionários e apaniguados. A aplicação rigorosa desse princípio é fundamental, porque os interesses nacionais nem sempre coincidem com os interesses dos grupos políticos que são mordidos pela mosca azul e que se empolgam com o poder. Em outras palavras, é se importar mais com os outros do que consigo mesmo.

 

A quarta é a missão geracional. James Freeman Clarke é autor de uma célebre frase: "Um político pensa na próxima eleição. Um estadista, na próxima geração". Historicamente na governança brasileira não temos tradição de planejarmos a longo prazo. Para vencer essa tendência precisamos de menos políticos e de mais estadistas. Temos que resolver os desafios do presente, mas temos de ter compromissos com as próximas gerações. É pertinente lembrarmos de Mahatma Gandhi que disse: "O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente". Essa reflexão é importante sobretudo, quando pensamos e agimos na nossa relação com a natureza, para que nossos descendentes não herdem um planeta moribundo e para que sejam preservadas as condições que propiciem uma vida digna que vale a pena ser vivida.

 

A quinta e última dimensão é eliminarmos de vez a injustiça social no Brasil. Temos que construir uma sociedade civilizada oferecendo oportunidades para todos terem uma vida digna e conquistarem a felicidade. Os detalhes de um sonho são rapidamente perdidos e me impeliram a registrá-lo imediatamente. Fico torcendo para que vire realidade. Acorda Brasil.

 

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¹Professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Microbiologia, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/CEAM/UnB), membro titular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da CAPES, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-sub-secretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 25/08/2018.

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