OPINIÃO

Debora Diniz é professora Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero. Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Antropologia, todos pela UnB, com pós-doutorado pela UnB e pela Universidade de Leeds (Inglaterra),  É membro da Câmara Técnica de Ética e Pesquisa em Transplantes do Ministério da Saúde e membro do Advisory Committee do Global Doctors for Choice /Brasil. Vice-chair do board da International Womens Health Coalition. Atua nos temas bioética, feminismo, direitos humanos e saúde. Foi pesquisadora visitante na Universidade  de Leeds, Reino Unido (Estudos de Gêneros); Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Instituto de Medicina Social); Instituto Oswaldo Cruz (Comunicação, Informação e Saúde); Universidade de Michigan, EUA (Faculdade de Direito); Universidade de Toronto, Canadá (Faculdade de Direito e Centro de Bioética); Universidade de Sophia, Tóquio (Instituto Iberoamericano); Cermes, França (Centro de Pesquisa, Medicina e, Ciência, Saúde, Saúde Mental, Sociedade); Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos (Departamento de Sociologia); e Universidade de Leiden, Holanda (Departmento de Antropologia). Entre vídeos produzidos e publicações, é também autora de seis livros e tem oito organizados.

Débora Diniz

 

Sim

Vítimas de zika não podem ser forçadas a manter uma gravidez que pode trazer riscos ainda desconhecidos a sua saúde e a de seu futuro filho.

O escândalo não deve ser o direito ao aborto em caso de zika, mas a negligência do Estado brasileiro em enfrentar a epidemia. A conversa precisa ganhar contornos justos, e o mais importante deles é reconhecer que as mulheres estão desamparadas pela incapacidade do Estado de eliminar o mosquito.

Não podemos nos confundir agora, pois falar em direito ao aborto parece provocar um novo pânico. Direito ao aborto é só uma das formas de proteger as necessidades de saúde das mulheres em uma tragédia epidêmica. E não há nada de eugenia aqui, uma palavra que perturba pelo passado de terror e pelo prenúncio de discriminação injusta.

Segundo a OMS, “o nível de alarme é extremamente alto” para os riscos de má-formação no feto causada pelo zika. O conjunto de variações etiológicas do feto é descrito como “microcefalia”, mas estamos diante de um novo quadro clínico ainda a ser descrito.

Para cuidar dessa metamorfose epidêmica, é preciso um pacote amplo de proteções aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres: a) acesso irrestrito aos métodos contraceptivos; b) teste para o zika em rotina de pré-natal; c) possibilidade do aborto legal em caso de testagem positiva ao zika. Para as mulheres infectadas pelo zika que não desejarem o aborto, deve haver pré-natal com cuidados específicos.

Repito: sabemos pouco sobre os efeitos do zika em mulheres grávidas.

Não há nada que se assemelhe à eugenia aqui. O Estado não impõe às mulheres o aborto. Ao contrário, há uma grave violação à saúde pela vivência da gravidez em tempo de epidemia: direito ao aborto ou cuidados precoces são duas maneiras de amparar as mulheres grávidas.

Um estado democrático de direito reconhecerá essa diversidade de escolhas: as mulheres nem serão forçadas a manter-se grávidas sob riscos ainda desconhecidos a sua saúde e a de seu futuro filho, tampouco serão forçadas a abortar. Um Estado eugênico não reconhece o direito à autonomia da vontade, pois é um regime político totalitário de gestão da vida.

Mas há outra razão para afugentarmos o fantasma da eugenia desta conversa. A epidemia fez crescer o número de crianças com deficiência em regiões pobres do Brasil – por isso, medidas de proteção social que respeitem o novo marco constitucional da pessoa portadora de deficiência devem ser urgentemente adotadas.

Não há isso de “geração de sequelados”, como disse o ministro da Saúde. Menos ainda a solução de um salário mínimo para as famílias com crianças afetadas pelo zika: um Estado social forte não se resume à transferência de renda no limite da pobreza. A verdade é que não há incompatibilidade de agendas para o enfrentamento da epidemia: movimentos de mulheres e de pessoas com deficiência devem andar lado a lado.

São as mulheres as principais vítimas da epidemia, e são as mulheres as cuidadoras das crianças com deficiência. Cabe a elas a escolha sobre seu projeto de vida e de família, especialmente em um momento dramático como uma epidemia.

Artigo publicado originalmente na revista Época em 4/2/2016

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