OPINIÃO

Aldo Paviani  é geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília, membro da Associação Nacional de Escritores (ANE) e do Instituto Histórico Geográfico do DF (IHG.DF) e do Núcleo do Futuro da UnB/Ceam. Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Aldo Paviani

 

Em outubro de 2019, perguntei neste espaço por que era importante investir em pesquisas científicas. Em março deste ano, deveria ter insistido na pergunta e procurado respondê-la, geografizando-a, isto é, mapeando os focos da doença, diante da ameaça iniciada com a disseminação mundial da Covid-19. Agora, a preocupação se volta para o pico da pandemia, ao menos é o que médicos, em geral, e virologistas, em particular, têm advertido.

 

As advertências dos responsáveis pela saúde pública nada mais são do que apelos em todas as mídias: "Fiquem em casa" ou "O isolamento social é fundamental". Apelos para poupar vidas, em especial dos idosos e dos que possuem baixa imunidade, dos que se gripam com frequência e dos grupos de risco, mesmo sem a virose, demandavam a vacina anual, nesta época, a cada ano. Falta, agora, um trabalho de geógrafo para mapear como, em cada cidade das regiões administrativas (RAs) do Distrito Federal e do meio rural, a população procura o benefício da vacina, que pode evitar males maiores, pneumonias e suas consequências por vezes fatais.

 

Tenho a convicção de que, em março/abril, a vacinação ainda não foi total para as faixas etárias mais avançadas e sujeitas a infecções de vários tipos. Todavia, a pandemia fez a população despertar para os cuidados com a saúde e toda a população do DF colaborou - ficando em casa - ou reduzindo as saídas à rua apenas em casos de necessidade e urgência. Com isso, as atividades econômicas baixaram a pulsação. Essa redução tem custos de difícil recuperação, mas que todos entendem ser menos questão puramente econômica, mas de salvação das infestações coletivas. Daí surgiu a frase "vidas humanas em primeiro lugar".

 

Voltando ao caso do DF, em algumas RAs, sobretudo o comércio ou, em alguns serviços, as atividades continuam como se a Covid-19 não estivesse fazendo alertas de baixas, por vezes aos milhares como na Ásia, na Europa, na América do Norte e no Brasil (aqui, os mortos estarão na faixa dos 7 mil, pelo que é noticiado). O DF, em geral, chegou a ser a unidade da Federação com maior obediência a esta lei da natureza: "Não saltes nessa cachoeira porque podes perecer", com placas indicando o perigo. Por consequência, muitos temem o aumento dos casos de infecção.

 

Na semana passada, o DF passou de 56% de isolamento da população para 63%, o que parece indicar que a quarentena é consensual e com ela se protegem vidas humanas, tal como divulgou o Correio Braziliense. Significa barrar os que desejam que as atividades econômicas voltem ao que foram no ano passado. A Páscoa demonstrou que o confinamento e cautelas são necessárias, pois há riscos de os atingidos (e mortos) pela Covid-19 aumentarem e elevarem as estatísticas de casos fatais. Há ignorância até sobre o montante dos atingidos, pois há enorme subnotificação.

 

Novamente, surge a demanda por estudos mais aprofundados: em que pontos da cidade houve maior infestação? O doente recebeu atendimento em rede hospitalar pública ou privada com a urgência que o caso e o momento exigem? Já se escreveu que "Brasília não é uma cidade apenas, mas várias" e ainda espalhada no território do DF. Em razão da espacialização da população, pode-se afirmar que, não sendo a capital-cidade totalmente emendada ou conurbada, qual a diferença em haver mais infectados entre os lugares carentes e os de mais elevados status?

 

A última questão não necessita muito aparato técnico para avaliações sanitárias porque o Dieese/Codeplan/Setrab categorizou quatro grupos por renda auferida, em média, pela população do DF. É interessante verificar se essa classificação, ajustada ao mundo do trabalho, serviria para avaliar a pandemia em cada cidade, pois essa regionalização permite o exame da desigualdade socioespacial e, por extensão, às condições de saúde pública da respectiva população.

 

Sabe-se, por exemplo, que os grupos três e quatro, de média-baixa renda e baixa renda, respectivamente, possuem considerável volume populacional (55,51% ou 1.613.651 habitantes, em 2018), enquanto os grupos um, de alta renda, e dois, de média-alta renda, somam 1.292.923 habitantes, menos da metade da população do DF.

 

De posse dessas estatísticas, pode-se avaliar se é hora de abrir as atividades econômicas, as escolas, as repartições públicas etc. para funcionamento pleno. A prudência recomenda que se aguarde mais algum tempo para a tomada de decisão. Ao que parece, a espera é a mais indicada, mesmo porque se lê e se escuta que, passado esse tsunami, "o mundo não será o mesmo". A conferir.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 4/5/2020.

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