Em um anfiteatro lotado, estudantes, docentes e técnicos administrativos da Universidade de Brasília ouviram, na manhã desta segunda-feira (6), o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos traçar um diagnóstico da atual situação vivida pelo ensino superior público no Brasil e apontar saídas para a falta de amparo estatal sofrido pelas instituições.
“Para sobreviver, a universidade precisa fazer alianças", definiu o docente. "A instituição perdeu a aliança com as elites, mas ainda não conseguiu firmar laços com as classes populares, que ainda a veem com desconfiança. Para isso, decanatos de extensão são essenciais, integrando a população à academia", considerou. Segundo o sociólogo, a universidade do futuro precisa ser atuante, ter responsabilidade social e firmar acordos internacionais. Ele destacou ainda a necessidade de manter-se otimista. “Se não houver esperança, não há alternativa.”
O discurso foi parte da conferência Crise Global e consequências para Educação e Universidades Públicas: a defesa da Universidade e da Educação como justiça social, organizada pelo Decanato de Extensão (DEX) e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB. O rapper brasiliense GOG, que durante a Semana Universitária já havia ressaltado a importância da sintonia entre universidade e sociedade, participou do encontro.
A reitora Márcia Abrahão, o vice-reitor Enrique Huelva, as decanas do DEX, Olgamir Amancia, do DPO, Denise Imbroisi, do DPI, Maria Emília Walter, e o ex-reitor José Geraldo de Sousa estiveram presentes. A representante do DCE, Scarlett Rocha, e o professor do DEX Richard Santos compuseram a mesa. A ex-ministra da Igualdade Racial Nilma Lino Gomes, que foi anunciada como palestrante, não pôde comparecer.
DIVISOR DE ÁGUAS – Boaventura de Sousa Santos entende que a universidade, de modo geral, atravessa um momento de incerteza. Segundo o sociólogo, este estágio representa oportunidade de ampliar o acesso ao ensino e de "descolonizar o currículo", ou seja, distanciar a universidade de sua origem elitista. “A instituição pode se tornar democrática, universalizada, ou um negócio”, alertou.
Santos advoga a favor da pluralidade de autores e pensamentos, de forma a incluir saberes para além do que é tradicionalmente estudado na academia. Na avaliação dele, o conteúdo atual é, em grande parte, produzido por autores homens, brancos e europeus – muitos deles já mortos. "No mundo, as universidades públicas foram criadas pela elite para formar um determinado modelo de país", enunciou. "Destes ensinos elitistas e excludentes, advêm pensamentos que reforçam o capitalismo e o patriarcado, resultando na perpetuação de violências, como racismo, sexismo e feminicídio", prosseguiu.
O palestrante observou ainda que, com o correr dos anos, a universidade tomou para si a função de formar mão de obra qualificada. Assim, a ideia da construção de país passou a perder relevância. “Não há mais interesse na formação de elites nacionais, mas globais, de forma a atender aos interesses do sistema econômico. Dessa forma, as universidades públicas deixam de ser interesse do projeto nacional”, disse.
Dessa falta de vinculação e da crise econômica surgem o dilema da universidade pública: ela não interessa ao Estado e ao, mesmo tempo, é confrontada por pressões sociais para democratizar acesso e ensino.
Como resultado desse movimento, o que se vê é a descapitalização das universidades, para impedir que formem pessoas diversas com pensamento crítico. O próximo estágio, segundo o raciocínio de Boaventura de Sousa Santos, seria a privatização.
A decana do DEX destacou a importância de debater a resistência da universidade pública federal diante de um cenário de redução de verba para as instituições de ensino superior.
O decanato articula atualmente, junto a Boaventura de Sousa Santos e a outras instituições, a criação do Programa Intercultural de Extensão, para intensificar ainda mais a chegada da Universidade a diferentes setores da sociedade, tendo em vista o fortalecimento acadêmico e o avanço da educação à comunidade.
A reitora Márcia Abrahão destacou o esforço da UnB em expandir o acesso, ressaltando ações, como a reabertura dos vestibulares indígena – que estava suspenso há cerca de quatro anos – e de educação no campo.
“Esse momento é importante para as universidades se organizarem”, observou, fazendo referência à ameaça de privatização e ao sufocamento imposto pelo teto orçamentário.
Na tarde desta segunda-feira (6), a reitora recebeu o sociólogo português no Salão de Atos da Reitoria, para aprofundar as possibilidades de atuação da Universidade de Brasília no desenvolvimento do Programa Intercultural de Extensão.