Em 20 de dezembro de 1996, o governo federal sancionava a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), que orienta sobre os princípios do sistema educacional no Brasil, segundo o que está previsto na constituição, e reafirma esta como direito universal. Fruto de diversas discussões entre sociedade civil, poder legislativo e executivo, o projeto final, proposto pelo sociólogo e fundador da Universidade de Brasília Darcy Ribeiro, se pautava sobre os pilares da flexibilidade na organização pedagógica e administrativa, mas também da avaliação.
Vinte anos após a implementação, alguns avanços e entraves da lei conferiram novos desafios para a área para os próximos anos. “Debater os 20 anos da LDB é voltar um pouco a essa história, ver o que ocorreu de insuficiência e de erros no passado projetados para o futuro, mas também olhar para questões que afetam diretamente o desenho da LDB”, avaliou o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, Carlos Roberto Jamil Cury, em conferência na UnB.
Um dos maiores especialistas da educação no país, Cury comentou a árdua tarefa, à época, de senadores para definir um projeto que atendesse as necessidades educacionais do país e superasse o atraso que representava a lei anterior, de 1961. Após oito anos de trâmite, o texto foi aprovado de modo mais sintético, excluindo diversos artigos que tornavam burocrática a interpretação. “Foi um processo moroso e lento. Diferentes atores sociais entenderam ser importante colocar seus princípios no campo da educação”, afirma.
Mesmo depois de sancionada, Cury ressalta que a LDB foi alvo de críticas que acarretaram em mudanças essenciais nas perspectivas para a educação brasileira. Uma delas foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que disciplinou a destinação do financiamento da área, tendo como recursos a receita da União, estados e municípios, além de municipalizar o sistema educacional. Anos depois, o Fundef foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
No entanto, essa foi apenas uma das redefinições da lei. “Até então, 40 leis modificaram a LDB, o que significou 128 alterações nos diversos artigos e 47 decretos para encobrir lacunas”, destacou o especialista da PUC-MG. Também se inclui como uma das principais alterações a emenda constitucional de 2009 que trata da expansão da obrigatoriedade do ensino público, do Plano Nacional de Educação como uma exigência constitucional que articula o Sistema Nacional de Educação e da destinação de um percentual do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para o setor.
Apesar de considerar tais alterações um reflexo das problemáticas que envolveram a formulação da lei, como a ausência da definição de um currículo mínimo para todas as escolas, o que tem se tentado sanar com a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, e os processos de avaliação que não conseguem englobar as especificidades das instituições de ensino, Cury visualiza importantes melhorias trazidas pelo texto original. “Determinados avanços viriam de qualquer jeito no projeto, como a importância da educação infantil e a valorização da diversidade, seja a questão dos indígenas, dos negros e das pessoas com deficiência”.
FINANCIAMENTO – Por sua vez, outras questões, como a gratuidade, a obrigatoriedade e o financiamento da educação, figuravam em constituições anteriores. Constava na primeira carta magna brasileira, datada de 1824, disposições sobre a instrução primária gratuita para todos. Mais tarde, a obrigatoriedade foi incorporada aos demais documentos, assim como, a partir das reformas nos estados ao início do século XX, a intenção de se estabelecer um plano nacional de educação que regesse sobre os sistemas educativos de todo o território, sob manutenção dos estados e da União.
Esses elementos foram embrionários para a construção do que seria hoje a LDB. No entanto, para Carlos Cury, um dos principais pontos a serem considerados para o estabelecimento da educação no país é a vinculação de receitas da União e dos estados para financiamento do setor. Segundo o professor, este é um dos elementos que estão sendo ameaçados caso seja aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que estabelece um teto para os gastos públicos, o que inclui o reajuste das despesas com a educação de acordo com a inflação.
“O perigo da PEC 241 com relação ao financiamento é muito grave, pois sem dúvida vamos voltar a um reforço da dupla rede”, expôs o professor sobre a possibilidade do país vivenciar novamente a segregação da educação para elites – formação superior – e para o restante da população – educação básica. Cury alertou que a retirada da vinculação da receita ao financiamento foi observada na história brasileira apenas em governos que assumiram de forma não democrática, o que precarizou as condições de trabalho, a formação dos docentes e, consequentemente, a qualidade do ensino.
Ele também criticou a reforma do Ensino Médio e alertou que, além de não discutida de forma democrática, poderá interferir nas metas traçadas pelo Plano Nacional da Educação.
O professor foi um dos conferencistas do Seminário 20 anos da LDB Darcy Ribeiro, que está sendo realizado de terça (25) até quarta-feira (26), no auditório do Memorial Darcy Ribeiro. O evento, promovido pelo Decanato de Assuntos Comunitários, Decanato de Ensino de Graduação e Fundação Darcy Ribeiro, integra as comemorações dos 94 anos do idealizador da UnB e a programação da Semana Universitária. Convidados de diversas universidades do país discutem as contribuições e problemáticas da legislação no atual contexto brasileiro. A implementação da educação de tempo integral e o balanço das realizações e necessidades da educação básica, superior e da formação docente estão sendo abordados nos dois dias do evento.
"Ter a oportunidade de agregar esses professores e pesquisadores do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais para falar dentro da Universidade sobre a educação é muito importante nesse momento em que se discute uma série de reformas”, comentou a decana de Assuntos Comunitários, Thérèse Hoffman, na abertura do evento. “Precisamos discutir a educação superior com muita urgência”, completou o reitor da UnB Ivan Camargo.