"Acredito que vivemos em um tempo de confusão. Vivemos em um momento histórico em que deus está morto, Marx está morto e eu me encontro francamente mal." A declaração de Juan Carlos Monedero, professor da Universidade Complutense de Madri (Espanha) e um dos fundadores do partido espanhol Podemos, demonstra uma preocupação: a que rumos estaria caminhando a esquerda no mundo?
Monedero foi um dos convidados para a sessão desta sexta-feira (27) do ciclo de debates promovido pelo Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA) da UnB. No auditório da Reitoria, o professor colocou em xeque a atuação da esquerda diante da hegemonia neoliberal. “O problema da atual esquerda é procurar soluções olhando para o passado”, afirmou.
Ele acredita que é necessário deixar de compreender o neoliberalismo apenas como um modo de produção e passar a enfrentá-lo. “O neoliberalismo é uma maneira de viver, tem suas utopias, ideais de salvação e de felicidade.”
O palestrante apontou cinco importantes elementos para entender o sentido do neoliberalismo atualmente: a mercantilização do mundo, a precarização do trabalho, as bolhas culturais, o endividamento da população e as mudanças climáticas. A convergência de todos esses fatores tem como resultado o medo generalizado da população. “O medo é o caldo de cultivo da direita. Temos que questionar o medo. A esquerda sempre trabalhou no diálogo, mas ela está freada por esse impulso”, atentou.
Nesse sentido, Monedero avalia a criação do Podemos, na Espanha, como sintomática do desejo de reformular a política, em busca de novas referências, que não as do passado. “A luta é muito mais complicada. Ou pensamos o mundo de maneira diferente ou é impossível lutar contra um inimigo que nos ganha em recursos, em paixão e em todos os âmbitos.”
Héctor Diaz Polanco, professor do Centro de Pesquisa e Educação Superior em Antropologia Social (Ciesas) do México e cofundador do partido Movimento Regeneração Nacional (Morena), declarou, por sua vez, que é preciso romper com o pragmatismo na esquerda para construir novos modelos partidários.
“O pragmático, por definição, é alguém que supõe ser possível substituir os fins pelos meios, o que o permite sacralizar os meios a tal ponto de os fins passarem ao segundo plano”, explicou o professor. Segundo ele, esse é o esforço feito pelo Morena, ao tentar se diferenciar de outros partidos.
Assim como o Podemos, na Espanha, o partido mexicano foi fundado em 2014, como parte de um movimento político vinculado à intelectualidade. Polanco também enxerga a integração com a América Latina como um dos passos para construir um projeto político transformador. “É necessário compreender os processos latino-americanos e, à medida do possível, participar deles”, concluiu.
REFLEXÃO – Com o tema As esquerdas na atualidade: diálogos América Latina e Europa, o ciclo de debates se propôs a retomar na academia um espaço para reflexão sobre partidos e ideologias políticas, com a participação de intelectuais. A atividade integrou a programação da XVII Semana Universitária (SemUni), além do calendário comemorativo pelos 30 anos do antigo Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac), hoje denominado ELA.
“Esse tipo de diálogo é importante nesse momento em que temos uma ressignificação da política e questionamentos sobre a democracia”, declarou Camilo Negri, chefe de departamento no ELA e um dos coordenadores do evento. A senadora uruguaia Constanza Moreira, em nome da Universidade da República, de Montevidéu, e Michel Wieviorka, professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, também estiveram entre os convidados.
O encontro movimentou especialmente pesquisadores da instituição e de outras localidades interessados no tema. Impressionado com a programação, Gianmarco Loures, integrante do Grupo de Estudos Comparados México, Caribe, América Central e Brasil, do CNPq, considerou a discussão importante para entender o cenário em que se encontra o Brasil. “Ao mesmo tempo em que discutimos a esquerda, pudemos fazer isso com um grau de profundidade muito maior do que o habitual no país, problematizando questões para pensarmos no futuro”, avalia.