Professora Ana Suelly Cabral detalha o projeto e sua importância para o povo tikuna. Crédito: Finatec
Pesquisadores da Universidade de Brasília e das aldeias tikuna acabam de concluir a primeira etapa do projeto de tradução do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e do Estatuto da Juventude para a língua tikuna. Esta fase consistiu na pesquisa para entender o universo simbólico da criança, do adolescente e do jovem na cultura tikuna, e na aplicação de um questionário com 50 perguntas para representantes de aldeias indígenas desta etnia.
Todo o processo contou com a participação ativa dos povos originários e todas as perguntas do questionário foram elaboradas a partir dos artigos do ECA e do Estatuto da Juventude de forma que a tradução respeite a maneira como eles enxergam e educam suas crianças e adolescentes.
“Não nos interessa uma tradução literal da lei. Queremos uma tradução cultural, que considere apenas aquilo que não entre em conflito com o modo de ver o mundo dos tikunas”, ressalta a professora Ana Suelly Cabral, coordenadora do Laboratório de Línguas e Literatura Indígenas Aryon Dall’Igna Rodrigues (Lalli) da UnB.
>> Laboratório da UnB ajuda indígenas a sistematizar a própria língua, resgatando costumes e salvaguardando identidades
As aldeias tikunas estendem-se ao longo do Solimões e para além das fronteiras com o Peru e a Colômbia. Em solo brasileiro, a exploração dos seringais e a extração criminosa de madeira os expuseram não só à cultura dos não indígenas, como também à violência e à invasão das terras onde viveram por séculos.
Para garantir um olhar abrangente sobre o modo de vida dos povos originários, os tradutores tikunas que fazem parte do projeto aplicaram os questionários a 11 tikunas, homens e mulheres e de diferentes faixas etárias. Escolheram também representantes de aldeias de diferentes municípios do Amazonas, entre eles, Santo Antônio do Içá, Benjamim Constant e Amaturá.
“A definição das lideranças cobre uma parte representativa do percurso geográfico das aldeias e possibilita o acolhimento de visões representativas dessa diversidade geográfica, linguística e cultural dos tikunas”, detalha Ana Suelly.
PUBLICAÇÕES – Assim que o compilado da primeira etapa do projeto for aprovado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH) e pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e Cultura (OEI), os pesquisadores vão se dedicar à produção de um glossário com termos tikuna-português/português-tikuna. E, por fim, de um livro que vai ser distribuído para as aldeias tikunas.
O projeto é executado na Década Internacional das Línguas Indígenas e, além do pioneirismo, promove e valoriza a língua dos povos originários e será um instrumento fundamental para que os tikunas protejam suas crianças, adolescentes e jovens.
Ana Suelly faz um apelo para que a nova equipe à frente do ministério entenda que este não é um projeto deste governo, mas sim para os povos indígenas do Brasil e para os tikunas. “Nos custou muito conseguir as aprovações todas. É tudo muito demorado e burocrático. A Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos) foi crucial nesse processo, pois tem um quadro muito competente, que entende, não só da burocracia, como tem conteúdo, se entrosam com a temática do projeto, dão opinião e o resultado é sempre muito positivo”, afirma Ana Suelly.
A pesquisadora destaca ainda que, ao assumir a gestão financeira, de pessoal e orçamentária, a Finatec libera os pesquisadores para mergulharem nos projetos e produzirem o conhecimento científico, elevando a qualidade dos trabalhos.
Povo tikuna está representado dentro da comunidade indígena da UnB, como é o caso de Oziel, estudante de Administração.