SAÚDE MENTAL

Iniciativa realiza intervenções lúdicas com estudantes do sétimo ano de escola pública do DF para promoção do sentido de vida

Docentes e discentes da Faculdade UnB Ceilândia integram o projeto de extensão Viagem ao Encontro da Felicidade. Foto: Arquivo pessoal

 

Vazio existencial. Uma sensação sufocante, que chega sem aviso prévio e gera dúvidas, insatisfação e inquietação quanto aos próprios rumos da vida. A falta de sentido para viver pode estar associada a mudanças significativas no cotidiano ou a situações de grande impacto emocional, como a vivência de um luto e o término de um relacionamento. A longo prazo, pode favorecer o desenvolvimento de depressão e ansiedade.

A preocupação com a problemática entre adolescentes do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 5 de Taguatinga fez com que professores da instituição buscassem apoio profissional na Faculdade UnB Ceilândia (FCE) para intervir na questão. Assim, surgiu o projeto de extensão Viagem ao Encontro da Felicidade, que tem oferecido a estudantes do sétimo ano do ensino fundamental da escola pública atividades com foco na prevenção do vazio existencial e do suicídio.

“A escola me procurou colocando a preocupação com os alunos em relação à automutilação, situação de ansiedade”, relata a professora de Terapia Ocupacional da FCE Kátia Meneses, coordenadora do projeto junto à docente Juliana Valéria de Melo.

Promovida no CEF 5 desde 2022, a iniciativa alcançou 60 estudantes em seu primeiro ano. Para trabalhar a temática em sala de aula, a equipe adota metodologia com base na logoterapia.

A abordagem, criada pelo neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl, tem como foco o sentido da vida, a educação para valores, a promoção da gestão socioemocional e a prevenção de agravos à saúde mental junto a adolescentes.

Recursos lúdicos são utilizados para abordar temas relacionados ao vazio existencial de maneira adequada à faixa etária dos alunos. Foto: Arquivo pessoal


VALORES PARA VIDA – Intervenções são realizadas semanalmente, como parte da disciplina Práticas Diversificadas 1, obrigatória no currículo da escola. Em 14 encontros com 45 minutos de duração cada, são discutidos, ao longo do semestre, temas diversos relacionados ao sentido existencial, escolhidos pela equipe do projeto de acordo com as demandas levantadas na instituição de ensino. Os assuntos são instigados junto aos estudantes a partir de uma pergunta inicial.

“Abordamos de forma a compreender que essa sensação pode acontecer com qualquer pessoa ao longo da vida. O vazio existencial é preenchido pela realização de valores”, explica Kátia.

De forma prática, os estudantes são incentivados à realização de valores criativos (o que se coloca à disposição do mundo por meio da criatividade), vivenciais (o que se recebe do mundo, como o amor e a amizade) e atitudinais (ações tomadas diante de situações que não se consegue mudar ou evitar). Analogias, fábulas e histórias, além de outros recursos didáticos, lúdicos e visuais, são utilizados para fomentar a discussão.

Kátia explica que as atividades são divididas em três módulos. “O primeiro é sobre 'quem eu sou', em que a pessoa é reconhecida como única e irrepetível, com valores e habilidades únicas. O segundo módulo é sobre 'o mundo ao redor', no qual são trabalhados temas como liberdade e responsabilidade, valores, dignidade da pessoa humana, vazio existencial, dentre outros”. Já no terceiro módulo, "são refletidas possibilidades de atuação de forma valorosa no mundo e projetos de vida”, detalha a docente.

A etapa final da intervenção é marcada por visita dos estudantes a uma instituição de longa permanência para idosos, onde eles têm a oportunidade de conversar com os abrigados, de auxiliá-los e de entregar algo que tenham criado, como uma obra de arte. É uma forma de aplicar os valores ensinados ao longo da disciplina.

Segundo a coordenadora do projeto, abordar, de forma prática, o vazio existencial entre estudantes da faixa etária dos 11 a 14 anos favorece-lhes a lida posterior com os conflitos da adolescência. “A maioria das intervenções para prevenção ao vazio existencial acontecem com alunos de ensino médio. Poucos grupos trabalham com essa faixa etária [com que atuamos] porque ela precisa de uma metodologia diferenciada”, pontua Kátia.

“Nosso trabalho é adaptar a metodologia para essa faixa etária, que foi escolhida porque [os estudantes] ainda estão entrando na adolescência, ainda não têm situações tão graves, apesar de que, hoje, a questão do suicídio, da ansiedade e do vazio está cada vez mais afetando pessoas mais jovens”, menciona.

EXPERIÊNCIA DISCENTE – Atualmente, a iniciativa tem a participação de 11 estudantes bolsistas e voluntários dos cursos de Terapia Ocupacional e de Fisioterapia da FCE. Em campo, eles têm oportunidade tanto de aplicar a metodologia quanto de participar de pesquisas a partir das intervenções.

Professora Gisele Schmidt, do CEF 5 de Taguatinga, e estudante de Terapia Ocupacional da UnB Clara Oliveira (dir.) abordam a história das ferramentas para trabalhar habilidades pessoais com os alunos. Foto: Arquivo pessoal


Estudante do quarto período de Terapia Ocupacional, Clara Oliveira participa do projeto há um ano e tem contribuído na adaptação de materiais explicativos sobre a logoterapia e na realização das atividades nas escolas.

“Tratar do vazio existencial e do suicídio em uma escola pública a partir da logoterapia, que é uma abordagem centrada no sentido da vida, é ter a sensibilidade de elucidar as temáticas abordadas para torná-las acessíveis aos alunos do ensino fundamental, e a responsabilidade de criar um espaço em que os estudantes se sintam acolhidos, ouvidos, livres para se expressar e para pedir ajuda, caso precisem”, compartilha a discente.


Clara, que também é responsável pelas redes sociais do projeto, percebe o potencial da iniciativa para o seu desenvolvimento profissional. “Aprendo a trabalhar em equipe, criar recursos, adaptar materiais para serem usados na escola, identificar demandas, dialogar com os estudantes do ensino fundamental e saber me posicionar diante dos alunos, bem como das falas e das ações que eles apresentam”, avalia.


AVANÇOS – Por meio de pesquisas e de relatos dos professores do CEF 5, a equipe mensura o impacto das intervenções. “Houve melhora na percepção sobre valores, aumento da esperança e estímulo para projetos futuros. Destacamos a diminuição de ideação suicida em dois estudantes e de comportamento agressivo em um estudante”, comenta Kátia Meneses sobre os resultados do primeiro ano de vigência.


Outros estudos sobre a relação entre sentido da vida, qualidade de vida e autopercepção de saúde entre os alunos estão em curso na escola.

A ideia, agora, é também contribuir para que os próprios professores do CEF 5 possam aplicar a metodologia em sala de aula e multiplicar a iniciativa no DF. “Nosso próximo passo é criar um curso para formação de professores, para que eles estejam aptos a desenvolver essa metodologia dentro das escolas”, diz a coordenadora.

PREVENÇÃO – Desta vez sob o tema Se precisar, peça ajuda!, a campanha Setembro Amarelo articula, este mês, ações junto ao poder público para valorização da vida e para conscientização sobre a prevenção ao suicídio.

Na UnB, a promoção à saúde mental de estudantes, docentes, técnicos e colaboradores é foco das ações da Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária do Decanato de Assuntos Comunitários (Dasu/DAC) em setembro e ao longo do ano. A unidade promove serviços de acolhimento psicossocial, intervenção em crise e acompanhamento psicoterapêutico. Precisa de apoio psicológico? Saiba mais sobre as atividades e atendimentos oferecidos no site ou no perfil no Instagram da Dasu.

 

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