ACESSIBILIDADE

Incubada no CDT, empresa Cinema Cego desenvolveu tecnologia social que facilita produção do recurso e acesso entre a população

#PraCegoVer: Paulo Lafaiete, pessoa cega, está em pé portando um fone de ouvido, de frente a um totem que descreve imagens da exposição Meus Medos, exibida no Espaço Renato Russo. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Ferramenta que permite a acessibilidade de pessoas cegas ou com baixa visão, a audiodescrição (AD) está regulamentada no Brasil desde 2004 pelo Decreto 5.296. A partir de 2005, com a publicação da norma Acessibilidade em Comunicação na Televisão pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), têm início as discussões sobre a temática na programação das emissoras abertas brasileiras.

 

Embora diversas normativas regulamentem a acessibilidade nos meios de comunicação, a garantia desse direito ainda está longe de ser uma realidade no país. Buscando minimizar esse problema, foi criada a startup Cinema Cego, incubada no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Universidade de Brasília.

 

Com o objetivo de democratizar o recurso da audiodescrição, a empresa desenvolveu uma plataforma de tecnologia acessível que permite conectar diferentes públicos de interesse. “A expectativa é facilitar o sistema de elaboração da AD, tanto do ponto de vista da produção quanto do processo de capacitação das pessoas, já que um dos problemas da área é a carência de profissionais”, resume o cofundador da Cinema Cego, Marx Menezes.

 

Chamado AD Code, o sistema está disponível diretamente na internet. “Trata-se de um aplicativo que não precisa de download ou instalação, nem mesmo configuração, sendo acessado por meio de um link. A interface segue também o alto contraste para facilitar o uso pela pessoa com baixa visão”, explicita o idealizador da startup.    

 

A iniciativa surgiu de sua pesquisa de doutorado em Artes Visuais pela UnB. “Nossa proposta é desenvolver uma vertente diferente do que normalmente é comercializado, mais voltada para o lado poético e orgânico. Na minha opinião, a AD acontece hoje de modo muito técnico e genérico.”

 

O pesquisador afirma que, em geral, o recurso utiliza somente uma voz, sem o devido cuidado com as especificidades e necessidades do público-alvo. Como proposta diferenciada, Marx Menezes exemplifica com a AD de um filme para crianças que, além de ter sido descrito com uma voz infantil, utilizou trilha de áudio e efeitos sonoros para dar mais realismo à história retratada.

 

A VISÃO DE QUEM NÃO ENXERGA – Cerca de 36 milhões de pessoas no mundo são cegas e outras 217 milhões têm baixa visão, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,5 milhões de pessoas no Brasil possuem alguma deficiência visual, sendo mais de 500 mil cegas.

 

Essa é a condição de Paulo Lafaiete. O publicitário perdeu completamente a visão aos três meses de idade. Hoje, aos 34 anos, ele é especialista em audiodescrição. O primeiro contato com a ferramenta ocorreu há mais de dez anos, mas somente a partir de 2015 pôde aprofundar o conhecimento sobre o assunto.

 

“Mesmo quando o recurso está disponível, não se consegue utilizá-lo, pois muitas vezes os próprios televisores não têm a acessibilidade devida”, relata. Atuando como colaborador na startup, a experiência de Paulo serve de inspiração para desenvolver novos produtos com AD.

 

#PraCegoVer: Marx Menezes está com um fone de ouvido, sentado em estúdio de gravação da startup. À sua direita, diversos equipamentos de som. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

A simples escolha da roupa que irá vestir foi motivação para criar um QR Code a ser inserido na etiqueta. O recurso gera um áudio com a descrição da cor, modelo e estampa de uma camisa. Outra vertente para comércio é o uso da AD para descrever as imagens de um cardápio de restaurante, por exemplo.

 

Há ainda a opção de usar um chip de radiofrequência, que pode ser acionado simplesmente aproximando um smartphone do local onde o dispositivo foi instalado. O protótipo desenvolvido pela empresa foi inserido ao lado de uma obra de arte, cuja audiodescrição pode ser facilmente acessada por uma pessoa cega.

 

Todo processo de produção gera ao final um QR Code, que pode ser lido por qualquer celular. Além de Paulo, que assessora e verifica todos os protótipos desenvolvidos, a equipe conta ainda com profissionais de audiodescrição e da educação, técnico de áudio e programador de software.

 

INOVAÇÃO – O pesquisador Marx Menezes destaca que a startup Cinema Cego tem três bases: o problema social, a tecnologia e a escala. “Há uma demanda real cuja solução tecnológica precisa ser escalável”, aponta. Em fase de testes, a plataforma vai permitir a conexão entre quem precisa do serviço da AD e os profissionais que atuam na área.

 

Na tela principal do sistema, estão disponíveis todas as audiodescrições realizadas. O interessado em um produto com AD poderá solicitar um serviço específico e ter o contato de diferentes profissionais. “Todas as etapas de produção serão desenvolvidas ali, com transparência e celeridade”, destaca.

 

O diferencial da startup é o uso da ferramenta para inúmeros tipos de demandas e serviços, indo muito além do cinema e da televisão – em geral, foco de atuação das empresas existentes no mercado. “A plataforma é para todos, mas nossa principal meta é promover a inclusão para a pessoa cega."

 

Por isso, a iniciativa busca expandir e popularizar a produção da AD, considerando que hoje o valor envolvido ainda é muito alto – na faixa de 80 reais por minuto de áudio. Um filme de duas horas tem custo médio de oito mil reais. Por utilizar plataformas digitais, a audiodescrição é um recurso que pode ser agregado a outros tradicionais já existentes, como o braile e o assinalador.

 

#PraCegoVer: Paulo Lafaiete aproxima seu smartphone do chip de radiofrequência que está próximo à tela O Grito. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB 

Para Paulo Lafaiete, a empresa que abraçar a causa vai se dar muito bem, uma vez que "o cego é um real e potencial consumidor". Outro impacto positivo é a geração de postos de trabalho para a pessoa cega, que necessariamente deve estar inserida nos processos da AD. "O cego tem autonomia e capacidade de trabalhar", defende.

 

Marx Menezes considera que é uma abertura profissional para as pessoas com deficiência, uma vez que a AD necessariamente precisa de um cego a par dos processos de produção para avaliar a eficácia da mensagem. "Portanto, é uma forma de gerar uma economia para pessoas mais vulneráveis", comenta.

 

PARCERIAS – Ainda não está disponível o cadastro de serviços na plataforma, mas já foi ofertado um curso em AD, que será realizado em novembro para 50 profissionais de audiovisual. A partir da capacitação, espera-se dar início ao sistema como um todo. 

 

“É muito difícil começar um negócio sem dinheiro. Estamos procurando estabelecer parcerias para justamente unir quem precisa de uma audiodescrição e quem realiza. O principal nós já temos: estrutura, metodologia, processos mapeados, equipe e um sistema funcionando”, menciona Marx Menezes.

 

Para o curso que já está no ar, foram obtidos recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Distrito Federal. Também foi desenvolvida uma parceria com o Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV) para que a empresa faça a audiodescrição de todo o acervo de livros da escola.

 

Instituições e pessoas interessadas em conhecer a plataforma ou colaborar, podem acessar a página AD Code ou Cinema Cego.

 

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