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Em seus 58 anos, a Universidade de Brasília tem como marcas de sua história a vanguarda e o protagonismo. Como parte das comemorações neste 21 de abril, a Secretaria de Comunicação abre uma página (pouco conhecida, mas repleta de orgulho) do livro de memórias da UnB: o Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem).
O Ciem foi uma escola de aplicação, de ensino público e integral. O projeto pedagógico foi idealizado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, fundadores da UnB. Mesmo tendo funcionado por menos de uma década (1964-1970), ainda hoje o Centro é lembrado por sua proposta inovadora de educação.
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A primeira turma foi formada em 1964, quando foi oferecido apenas o 3º ano do Ensino Médio. A partir de 1965, foram disponibilizadas vagas para os três anos. A aula inaugural foi ministrada pelo então reitor da UnB, Zeferino Vaz, no auditório Dois Candangos, e abordou o tema A inércia como característica do homem civilizado.
Conforme boletim informativo da UnB à época, a unidade funcionava como centro de demonstração e experimentação da Faculdade de Educação, dando, inclusive, oportunidade de estágio e cursos de treinamento a professores de quaisquer pontos do território nacional.
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O primeiro diretor do Ciem foi o educador José Aloísio Aragão, que atuou na direção de outras duas escolas de aplicação, em Londrina, PR, e em Rio Claro, SP.
O ingresso era bastante disputado, com exame de seleção. Grande parte dos alunos era formada por filhos de parlamentares, profissionais liberais e funcionários do governo.
ENSINO DIFERENCIADO – Com o objetivo de formar cidadãos com capacidade crítica e pensamento criativo, os alunos tinham acesso a conteúdos variados e atividades extracurriculares.
“Os laboratórios eram muito bons e os professores, extremamente preparados. Muitos deles faziam pós-graduação na UnB”, relata a escritora, ex-aluna e professora aposentada da UnB Rosângela Vieira Rocha. No currículo, também eram ofertadas disciplinas de latim, inglês voltado para a literatura, antropologia filosófica, artes e desenho industrial. Para além da formação básica, os alunos participavam das práticas educacionais vocativas, conhecidas como clubes. As áreas eram as mais diversas, indo desde música e teatro a arquitetura de carroçaria e investigações aeroespaciais.
Liberdade com responsabilidade era um dos lemas do Ciem, que estimulava a participação dos estudantes até mesmo em reuniões e definições estratégicas. “Semanalmente ou quinzenalmente, discutíamos a filosofia da escola, sempre embasados em conceitos e aspectos filosóficos e éticos”, relembra Rosângela.
As aulas tinham duas horas de duração e não eram expositivas, sendo a maior parte do tempo destinada a atividades, individuais ou em grupo. “Havia um respeito muito grande entre alunos e professores. Eles nos ensinavam a pensar, de modo lógico e crítico”, afirma a docente.
Rosângela diz que a formação no colégio influenciou seu interesse pela literatura. “Vim do interior de Minas Gerais e, mesmo sendo muito difícil, consegui passar porque tirei 10 na redação. Foi lá que descobri e desenvolvi meu talento como escritora."
LUTA E DITADURA – Embora o Ciem tenha sido planejado antes do período militar, sua história está diretamente relacionada ao regime ditatorial no Brasil. “A proposta pedagógica não era coerente com o momento político e sobreviveu apenas na fase mais branda da ditadura”, relata Hélio Doyle, jornalista, professor aposentado da UnB e ex-aluno do Ciem.
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Assim como dezenas de outros estudantes, Doyle foi expulso em 1967. “Houve um movimento muito grande em função da expulsão arbitrária da aluna Hileana Menezes. As aulas foram suspensas e chegou a ser instaurada uma comissão de inquérito. Já era um sintoma do que viria.”
Em maio de 1968, a série de protestos contra a repressão política protagonizada por universitários e secundaristas na França também se repetiu no país e no Distrito Federal.
O Diretório Central dos Estudantes Secundaristas de Brasília era acusado de estar vinculado a organizações clandestinas de esquerda. Os 50 anos da rebelião estudantil foram relembrados em encontro realizado na UnB em 2018.
O prédio onde funcionava o Ciem abriga atualmente o ambulatório do Hospital Universitário (HUB). O espaço foi estruturado seguindo os conceitos e a metodologia didática.
“Todas as salas davam para um jardim. Como os alunos tinham liberdade e maior autonomia, era comum nos reunirmos ali para fazer trabalhos em equipe”, lembra Doyle. Um dos símbolos para os estudantes era a caixa-d’água, que ainda hoje pode ser vista no topo da edificação. Muitos se encontravam no reservatório para conversar e fugir da perseguição de infiltrados.
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FECHAMENTO – Embora não se tenha muitos registros sobre o processo de encerramento do Centro Integrado de Ensino Médio, um documento de 1968 assinado pela diretora substituta, Teresinha Rosa Cruz, aponta que o Ministério do Planejamento considerava o Ciem como a escola mais cara do país, tendo em vista a proporção entre alunos e professores.
“Tem tirado um pouco o entusiasmo do corpo docente as informações de que essa Reitoria está disposta a fazer uma reforma integral com o objetivo de redução das despesas”, menciona Teresinha em trecho da carta à reitoria da UnB.
O reitor na época era o professor Caio Benjamim Dias, escolhido por militares. Em março de 1969, o Ciem passou a ser subordinado pedagógica e administrativamente à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Uma das organizadoras do livro Anísio Teixeira e seu legado à educação do Distrito Federal: história e memória, a pesquisadora Eva Waisros Pereira confirma que o Ciem foi fechado por motivos de ordem política. "Foi nos anos iniciais da ditadura militar, resultando, num primeiro momento, no afastamento de professores e estudantes, para posterior encerramento", detalha.
Também docente da UnB, João Carlos Hohl Abrahão foi estudante da última turma, em 1970, e não conseguiu concluir o ensino médio na instituição. “O colégio reuniu muitos opositores e críticos da ditadura. Muitos documentos da época foram destruídos.”
Os relatos saudosistas dos ex-alunos convergem para a opinião de que a experiência foi um marco em suas vidas. “O contexto era outro, com o movimento hippie e Woodstock. Era um momento de grande mudança e esperança, todo mundo era muito idealista”, considera Rosângela Vieira. Visão compartilhada por Hélio Doyle: “Mesmo se o Ciem voltasse a existir hoje, 50 anos depois, ainda assim seria considerada uma iniciativa revolucionária”.
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