UNIVERSIDADE X DENGUE

UnB testa estações disseminadoras de larvicida em São Sebastião (DF) e constata redução de 66% no número de mosquitos. Iniciativa também foi aplicada na Cidade Estrutural e agora fará parte do plano de ações do GDF

Estação Disseminadora de Larvicida (EDL) utilizada para impregnar mosquitos Aedes aegypti adultos que depois irão infectar as larvas do vetor da dengue em criadouros. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


Ousadia. Inovação. Determinação para acabar com o vetor da dengue, do Zika vírus e da Chikungunya. Tudo vale quando o objetivo é encontrar uma solução diferente para lidar com o Aedes aegypti. Na Universidade de Brasília, um grupo de pesquisadores decidiu testar uma técnica que utiliza o próprio mosquito para exterminar larvas dele mesmo.


Por meio das Estações Disseminadoras de Larvicida (EDLs) – armadilhas semelhantes a baldes pretos com um pano interior impregnado de piriproxifeno (larvicida também conhecido por PPF) –, o mosquito adulto pousa na água ou na superfície do pano e, ao mesmo tempo, fica impregnado pelo inseticida. Ao buscar outro possível criadouro, esse mosquito contamina a água quando encosta nela e, assim, o larvicida vai atuando sobre os Aedes aegypti que forem eclodindo dos ovos ali já depositados.


“É um pote preto que tem um pano interior para impregnar o larvicida, que é um pó. Então colocamos 1,5L de água e deixamos lá com o pozinho. Os mosquitos vêm atraídos pela água e pela cor também, se contaminam com esse pó, que não os mata, mas onde pousarem vão depositar o larvicida que vai matar as larvas dos criadouros. É o próprio mosquito que dissemina o larvicida que vai acabar com aquela população. Então, é a estratégia cavalo de troia”, explica o professor Rodrigo Gurgel, coordenador do Laboratório de Parasitologia Médica e Biologia de Vetores da Faculdade de Medicina (FM) da UnB.

 

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A técnica foi testada entre janeiro de 2017 e abril de 2018 na região administrativa de São Sebastião, no Distrito Federal. O local foi escolhido porque, à época, registrava alta incidência do vetor, além de muitos casos de dengue. Outro motivo relevante foi o fato de a cidade ter duas regiões isoladas, propícias para a pesquisa – uma serviria como controle e a outra passaria pela intervenção com as estações disseminadoras de larvicida. Com permissão dos moradores, 60 casas foram escolhidas para o acompanhamento mensal.

 

>> Leia o artigo sobre a pesquisa de controle do mosquito Aedes aegypti realizada em São Sebastião, DF 

Professor Rodrigo Gurgel (FM/UnB) demonstra como é feita a aspiração de mosquitos nas casas monitoradas durante a pesquisa. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


“Na área de intervenção, além de colocar as estações, monitoramos as casas, com a aspiração de mosquitos adultos encontrados nelas e também com armadilhas de ovos, que são as ovitrampas. E, na outra área, de controle, só usamos ovitrampa e aspiração, sem as estações disseminadoras”, detalha.


FUNCIONOU – O resultado foi a redução de 66% na quantidade de mosquitos na região, incluídos Aedes aegypti e pernilongo comum, que também era bem frequente por lá. Em seguida, os pesquisadores replicaram a experiência dentro da própria UnB, e os prédios em que colocaram as EDLs também apresentaram redução de 50% no número de mosquitos, conforme comprovaram pelas armadilhas de ovos ali usadas.  

 

O sucesso nas duas iniciativas fez com que o grupo voltasse a aplicar a técnica em outra região administrativa do Distrito Federal: a Cidade Estrutural. O projeto, financiado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tinha o objetivo de avaliar o efeito combinado das estações disseminadoras de larvicida, com a coleta de lixo e a educação em saúde, além de reduzir a quantidade de mosquitos na região.


Desta vez, os pesquisadores também acompanharam 60 casas, com permissão dos moradores – 30 no Setor Oeste, região urbanizada da Cidade Estrutural, e 30 em Santa Luzia, área de extrema pobreza e muito vulnerável, onde as casas são de madeira, as ruas não são pavimentadas, há esgoto a céu aberto e as rendas familiares são muito baixas. Por meio da aspiração, foram capturados cerca de cinco mil mosquitos ao longo de um ano de monitoramento.


“Em Santa Luzia capturamos cinco vezes mais mosquitos do que na área urbanizada, com pavimentação, com casas mais estruturadas e com água e esgoto. As análises estatísticas não foram concluídas ainda, mas estamos observando que, inicialmente, as estações disseminadoras também funcionaram muito bem, porque, antes de usá-las em Santa Luzia, a diferença de frequência entre mosquitos de lá e da área urbanizada era muito maior. Tinha muito mais Aedes aegypti”, constata o docente.


O que se observou foi que onde foram colocadas as EDLs, a quantidade de mosquitos capturados por hora caiu consideravelmente. “Atribuímos isso à estação disseminadora de piriproxifeno (de larvicida), mas ainda vamos fazer a análise por modelagem para quantificar melhor esse impacto”, pondera Rodrigo Gurgel.

O larvicida piriproxifeno (PPF) já era utilizado contra Aedes aegypti. A inovação da pesquisa é o próprio mosquito ser o agente que o dissemina nos criadouros. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


GOVERNO ADOTA EDL – Após verificar os bons resultados, o Governo do Distrito Federal convidou os pesquisadores da UnB para ajudar no plano de ação de controle de Aedes aegypti.


“Fizemos reuniões com eles e já mostramos como usar a estação disseminadora e a importância do uso dessas estações. O subsecretário de saúde do DF já apoiou o plano de ação. Estamos num momento de aplicação, de compra de insumos para o governo para que possamos já em março começar o uso da estação disseminadora de forma contínua e permanente aqui no Distrito Federal. O que é algo muito feliz considerando toda experiência que já tivemos”, relata o professor da Faculdade de Medicina da UnB.


Segundo Rodrigo Gurgel, o plano de ação também recomenda o desenvolvimento de estratégias como a Borrifação Residual Intradomiciliar (BRI), em que o agente borrifa e pulveriza inseticida nas paredes de locais como Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e escolas, onde há muita circulação. Assim, o mosquito que pousar onde tiver inseticida vai morrer.


“E isso tem uma duração de até dois meses, por isso é residual. Então nós esperamos que com as estações disseminadoras mais a BRI, somadas à estratégia que já tinha sido feita, poderemos ter um futuro melhor para o controle do mosquito da dengue e, consequentemente, menos pessoas se infectando, menos pessoas morrendo”, conclui.


EDUCAÇÃO EM SAÚDE – A pesquisa financiada pela OMS na Cidade Estrutural também tinha como uma das frentes a educação ambiental e em saúde. Responsável por essa parte, a professora do curso de Saúde Coletiva da Faculdade UnB Ceilândia (FCE) Vanessa Cruvinel conta que o grupo passava orientações nas casas visitadas e também em creches de Santa Luzia. Eles entregaram panfletos explicativos, doaram baldes com tampa e sacos de lixo de cores diferentes para o descarte correto do lixo, além de 15 caixas d’água com tampa para as creches locais.

Esgoto a céu aberto na área mais vulnerável da Cidade Estrutural favorece formação de criadouros de Aedes aegypti. Foto: Grupo de Pesquisa Pare, Pense, Descarte/UnB


“Na verdade, eles já têm muito conhecimento sobre os fatores de risco e os métodos de prevenção. O problema é que moram numa área muito vulnerável, sem saneamento básico. Então têm que se deslocar para pontos coletivos de entrega voluntária de resíduos e isso dificulta muito, faz com que aglomere muito o lixo nas residências”, analisa a docente.


“E também, com a falta de água, eles têm que abrir poço dentro de casa e acabam armazenando água de forma inapropriada. E isso tudo favorece criadouro de vetores, como o Aedes aegypti”, aponta Vanessa Cruvinel.


No início deste ano, a Organização Mundial de Saúde decidiu prorrogar o contrato com o projeto da UnB pra que seja analisado se, nas áreas mais vulneráveis da Cidade Estrutural, existem mais casos de arboviroses – dengue, Zika, Chikungunya, febre amarela, entre outras – e quais fatores estão relacionados com essa incidência. Serão avaliadas características dos domicílios, características sociodemográficas dos moradores, presença de comorbidades e questões associadas com a incidência de arboviroses, pra ver se se haverá diferença.


No final de junho, a OMS vai sediar em Brasília um evento internacional para ver os resultados de diversos projetos desenvolvidos na prevenção e controle de doenças causadas em humanos por parasitas e patógenos. A UnB, que está na coordenação, também vai apresentar suas pesquisas sobre arboviroses e será local de visita da delegação de 30 pessoas de países diferentes do mundo.


CONSCIENTIZAÇÃO – No início de fevereiro, a Universidade de Brasília criou um grupo de trabalho (GT) para atuar no combate a possíveis focos de proliferação do mosquito da dengue nos campi. O grupo conta com nove servidores, que realizam vistorias, desmancham e monitoram eventuais focos de larva do Aedes aegypti e orientam sobre práticas de prevenção.

 

>> Equipe da UnB realiza vistorias nos campi para enfrentar a dengue


“A receptividade tem sido muito boa, muito maior do que a gente imaginava. Acho que é uma percepção de que a Universidade está fazendo algo e não esqueceu das unidades acadêmicas. Fazemos essas ações e a equipe da prefeitura, em especial, está orientada a, quando encontrar um problema, resolver no mesmo dia. Não é para voltar depois, porque esse ‘voltar depois’ é um tempo que não temos com a dengue”, pontua a professora Carla Pintas Marques, também do Departamento de Saúde Coletiva da FCE e da Coordenação de Atenção e Vigilância em Saúde (CoAVS/Dasu/DAC) da UnB.

 
As ações do GT têm acontecido de forma regular a cada semana. “É muito educativo tudo isso, porque vai fazer com que as pessoas tenham um olhar diferenciado. Quando falamos de dengue, muito do que se vivencia hoje é em função da falta de educação em saúde, de as pessoas não reconhecerem o quanto não terem cumprido com essas atividades, que são simples, faz acontecer uma epidemia como essa. Então, as atividades que estamos realizando hoje vão permanecer”, garante Carla Pintas.


O grupo de trabalho para coordenar de maneira ampla as ações de combate à dengue na UnB foi criado pela Reitoria por meio do Ato nº 0206/2024

 

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