Uma pesquisa científica realizada no Departamento de Odontologia (ODT/FS/UnB) tem se destacado pela abordagem inovadora na análise da relação entre diabetes mellitus tipo 2 e saúde bucal. Premiado internacionalmente pela International Association for Dental Research (IADR, da sigla em inglês), o estudo é um desdobramento do projeto de iniciação científica (Pibic) da graduanda Letícia Reis.
“Antes de desenvolver o projeto premiado, participei de revisão sistemática que procurava responder se existia enriquecimento de microrganismos ácido-associados na saliva de pacientes com diabetes mellitus tipo 2”, conta a discente. “Foi em um projeto de Pibic anterior, desenvolvido junto com pós-graduandas e professoras da Odontologia. Os resultados nos fizeram pensar no projeto atual, que me introduziu nas práticas laboratoriais”, explica.
A láurea ao resumo, intitulado Lactobacilli are enriched in ex vivo biofilms from hyperglycemic saliva, é um grande feito para a estudante e também para o curso. “Trata-se de um prêmio inédito para a Odontologia da UnB, concedido pela maior associação de pesquisa odontológica do mundo”, contextualiza a professora Nailê Damé-Teixeira, que orienta a pesquisa e também assina o artigo.
FUNDAMENTOS – Em linhas gerais, a pesquisa investiga, através da criação de um modelo de estudo laboratorial, como os microrganismos na saliva das pessoas com diabetes se comportam. As pesquisadoras partiram do conhecimento de que a saliva de pessoas com diabetes é mais ácida e, durante a pesquisa, descobriram que certas bactérias que produzem ácido também se tornam mais abundantes em diabéticos. Disso resultou o questionamento se essas bactérias utilizariam o excesso de glicose presente na saliva das pessoas com diabetes, e se isso afetaria negativamente o equilíbrio saudável da comunidade de microrganismos na boca.
De acordo com a orientadora do projeto, os estudos confirmaram que essas bactérias também são encontradas em camadas microscópicas chamadas biofilmes, que se formam em laboratório a partir da saliva de pessoas com diabetes.
“Esse foi o principal achado: a confirmação do enriquecimento nos biofilmes formados a partir da saliva hiperglicêmica dos mesmos microrganismos produtores de ácido identificados na revisão sistemática, corroborando com os achados prévios da literatura e sinalizando uma validade do modelo para estudar o microbioma salivar diabético em laboratório”, comenta.
Além disso, elas observaram que a quantidade de glicose na saliva diminui 24 horas após a formação desses biofilmes. ”Agora, estamos testando se isso pode estar associado com a utilização da glicose pelos microrganismos da boca, como isso poderá afetar a adesão desses microrganismos às superfícies dentárias, e como eles podem estar relacionados com as manifestações bucais de diabetes”, pontua Nailê.
RESULTADOS E APLICAÇÕES – Os resultados, até o momento, mostram aumento de lactobacilos e diminuição na microbiota total nos biofilmes formados a partir da saliva dos pacientes com diabetes, comparados aos de controle. Essas descobertas podem contribuir para entender melhor as manifestações bucais da hiperglicemia e orientar futuros tratamentos odontológicos.
Os estudos estão focados em analisar genes específicos relacionados ao uso de glicose e adesão das bactérias. As análises vão ajudar a validar a utilidade desse modelo experimental para os próximos passos, como sequenciamento genômico e testes com diferentes tratamentos.
“A pesquisa e testes preliminares em biofilmes complexos são fundamentais para fortalecer as evidências científicas existentes”, destaca Letícia. A pesquisadora conta que planeja seguir carreira na área de pesquisa e dar continuidade ao trabalho que iniciou no Pibic.
Segundo a orientadora do projeto, o estudo se encaixa em uma linha de pesquisa mais ampla sobre a saliva de pessoas com diabetes e suas implicações bucais, o Projeto Diabetes, que é uma iniciativa incubadora de pesquisas. “Nosso objetivo é avaliar potenciais formas de modular o microbioma oral diabético”, esclarece a professora.
>> Relembre: Projeto de pesquisa e de extensão atende a comunidade no Hospital Universitário
A docente Nailê Damé-Teixeira pontua ainda que os alunos de iniciação científica desempenham papel crucial no desenvolvimento do trabalho, realizando experimentos laboratoriais e coletando amostras. Para isso, a continuidade do financiamento por meio de bolsas, como o Pibic e o Pibiti, tem sido essencial para avançar e permitir aos alunos participar ativamente da produção científica.
O reconhecimento internacional pela IADR também é visto como um marco para a Odontologia da UnB. “O prêmio fortalece nossos argumentos ao solicitar novos financiamentos e coloca nosso grupo em destaque no Brasil”, comenta Nailê. Para ela, “o reconhecimento recebido por Letícia serve como estímulo e inspiração para outros alunos iniciantes se envolverem em atividades complementares à sua formação na graduação, especialmente na área de pesquisa”.
FUTURO – O projeto continua em andamento, com planos para expandir os estudos e testar tratamentos que possam modular positivamente os biofilmes em laboratório. Essas pesquisas têm o potencial de impactar diretamente o tratamento odontológico de pacientes com diabetes, visando melhorar sua qualidade de vida e saúde bucal. O objetivo final é encontrar maneiras de modificar, em laboratório, essa comunidade de microrganismos na boca de pessoas com diabetes.
As pesquisadoras explicam que desejam usar substâncias como probióticos (microrganismos benéficos), prebióticos (compostos que promovem o crescimento de microrganismos saudáveis), e até mesmo transplantar biofilmes (camadas de microrganismos), para entender como diferentes tratamentos podem promover uma microbiota mais compatível com a saúde bucal.
Segundo as cientistas, este tipo de pesquisa é um passo importante antes de pensar em aplicar esses tratamentos clinicamente, no futuro.
“Estamos focadas exclusivamente em pesquisa básica, sem uma aplicação clínica imediata. Mas como disse o laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina e Doutor Honoris Causa pela UnB, Randy Schekman, 'a ciência básica pode não apresentar uma aplicação direta imediata, mas suas ferramentas e descobertas têm o potencial de alterar o curso da humanidade'", salienta a orientadora.
>> Os editais para novas bolsas de iniciação científica estão abertos para inscrições