DIA INTERNACIONAL DA MULHER

8 de março marca lançamento de série especial sobre cenários institucionais e trajetórias femininas na Universidade. Leia primeira reportagem

 

Histórias de alunas de graduação e pós, técnicas, professoras e terceirizadas celebram mês da mulher na Universidade de Brasília. Arte: Secom UnB

 

Não mencionar a gravidez durante entrevista para ingresso no mestrado. Ouvir de professores que mulheres não conseguem realizar determinadas tarefas profissionais. Ter que se impor para estabelecer limites de convivência em locais dominados por homens. Potencialmente generalizantes – pois se reproduzem em diferentes esferas da vida social –, os casos são testemunho da reitora Márcia Abrahão, primeira mulher a ocupar o posto mais alto da Universidade de Brasília.

 

>> Leia a mensagem da reitora às mulheres neste 8 de março

 

“Tenho outros relatos de situações aparentemente sutis, mas machistas. Na graduação, estava no campo e um professor me desafiou a quebrar uma rocha. Quando me dei conta, estava eu no meio de uma roda, batendo naquele solo fofo, e todos rindo. Isso era feito com várias mulheres e me marcou”, conta a representante máxima da UnB. 

Márcia Abrahão é uma das 19 reitoras de universidades federais brasileiras, 44 homens ocupam o mesmo cargo. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Para burlar o cenário adverso às mulheres, a geóloga buscou estratégias individuais: ocupar os espaços e se posicionar perante os fatos. No entanto, admite que a postura só funciona em contextos específicos e não é suficiente para mudar a realidade brasileira ou para garantir equidade de gênero.

 

No cenário nacional, a professora figura entre as poucas mulheres à frente de uma instituição federal de ensino superior (Ifes). Levantamento feito na página do Ministério da Educação revela que apenas 30% das universidades federais são comandadas por reitoras. Quando a busca abrange todas as Ifes, o percentual cai para 23%.

 

A divisão de gênero na configuração dos cargos de gestão e chefia na Universidade de Brasília vem mudando nos últimos anos. Além da primeira reitora, as decanas são maioria, fato inédito na história da instituição. Em contrapartida, dados disponibilizados pela Diretoria de Administração de Pessoas (DAP/DGP), referentes a fevereiro, mostram que outras funções de destaque, como assessoria, direção e coordenação, ainda são majoritariamente destinadas a homens. 

Principais funções de assessoria, direção e coordenação na UnB são majoritariamente masculinas. Fonte: Diretoria de Administração de Pessoas (DAP/DGP)

 

Na visão da professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciência Política (Ipol), romper com esse cenário é difícil porque os espaços de poder são historicamente masculinos e, consequentemente, espelham e reproduzem perspectivas e vantagens dos homens, possuindo dinâmicas próprias como sexismo, assédio e exigência de hiperqualificação das mulheres para exercer as mesmas ocupações.

 

“Por isso é tão importante ter mulheres nesses espaços, atuando a partir de sua posição nas relações e, possivelmente, dando relevância para questões que as afetam de maneira particular, como a divisão sexual do trabalho e o assédio”, destaca.

 

A pesquisadora defende que a divisão sexual do trabalho também impacta diretamente na ocupação dos cargos hierarquicamente superiores. “As mulheres são responsabilizadas por trabalhos socialmente relevantes, dos quais os homens são liberados. O tempo que elas dedicam para que a casa ande bem e para que os filhos sejam bem atendidos em seu desenvolvimento e necessidades é revertido em apoio e segurança para que os homens tenham as condições materiais e psicológicas de desenvolver suas carreiras."

 

PERFIL ESTATÍSTICO – Na comparação global, a diferença percentual na divisão quantitativa entre mulheres e homens na UnB é equilibrada, mas elas formam maioria em quase todas as categorias: na graduação, no mestrado, no doutorado e nos cargos técnicos.

 

A exceção está no número de professores – são 1.381 mulheres (46,3%) e 1.604 homens (53,7%) –, segundo dados preliminares do Anuário Estatístico de 2017, fornecidos pela Coordenadoria de Informações Gerenciais (CIG/DAI) do Decanato de Planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional (DPO).

 

As distorções vêm à tona no detalhamento quantitativo por curso de graduação. As mulheres são ampla maioria nos cursos de Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Enfermagem e Letras – nos quais a porcentagem de ocupação feminina supera 80%.

 

Em contrapartida, os homens dominam os cursos de Música-Composição, Engenharia Automotiva, Ciência da Computação, Engenharia de Computação, Computação, Engenharia de Software, Engenharia Mecatrônica, Engenharia Mecânica, Engenharia de Redes de Comunicação, Engenharia Elétrica e Física.

 

Os dados confirmam tendência nacional na qual, tradicionalmente, as carreiras que mais formam mulheres possuem menor prestígio social ou reconhecimento financeiro. De acordo com o Ministério do Trabalho, as mulheres com nível superior completo recebem, em média, R$ 4.803,77. Os homens, R$ 7.537,27.

 

POLÍTICAS INSTITUCIONAIS – “Nossa sociedade é organizada por dinâmicas machistas. O machismo está presente em diferentes espaços, ainda que em graus distintos. A UnB não é exceção.” A frase da professora Flávia Biroli serve como ponto de partida para o diagnóstico das ações de equidade de gênero e proteção dos direitos e da integridade de alunas, servidoras e terceirizadas que frequentam os campi da Universidade de Brasília. Os gargalos existem e os desafios são muitos.

 

A Diretoria da Diversidade, por meio da Coordenação dos Direitos da Mulher (Codim/DIV), é a principal articuladora das iniciativas institucionais voltadas às mulheres e atua em três eixos: 1) promoção de debates, ações de educação e conscientização; 2) fomento e formulação de políticas para mulheres; 3) atendimento e acolhimento a mulheres vítimas de violência. 

À frente da Coordenação dos Direitos da Mulher (Codim/DIV), Silvia Badim destaca a consolidação de rede de apoio às mulheres. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

Silvia Badim, coordenadora dos Direitos da Mulher, explica que o trabalho da Codim e da DIV se estrutura na integração e consolidação de uma rede de acolhimento de mulheres, mobilizando coletivos estudantis, unidades e setores da UnB, projetos de pesquisa e extensão e outras instituições externas à Universidade.

 

“Se a mulher tem qualquer caso de denúncia de violência ou assédio, busca apoio ou quer dar alguma sugestão sobre a política de mulheres da UnB, pode nos procurar. A DIV fará o atendimento e os encaminhamentos necessários”, reforça Badim.

 

Ouvidoria, Serviço de Orientação Universitária (SOU/DEG), Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS/DAC), Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (Caep), projeto Escuta Diversa, Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) (Anpsinep) e coletivos feministas da UnB integram a rede de apoio. A DIV ainda faz parte da Rede de Proteção de Mulheres do Distrito Federal, composta por entes como Centro Judiciário da Mulher, Casa da Mulher Brasileira, Secretaria de Saúde e Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam).

 

“No ano passado, atendemos uma aluna agredida pelo então namorado e colega de curso. Ela foi encaminhada para o auxílio psicológico e jurídico e conseguiu uma medida protetiva, com base em declaração feita pela DIV. Intermediamos a relação com o departamento para que o aluno não ficasse no mesmo ambiente que ela, pois o semestre estava em curso e eles tinham disciplina comum. Foi um caso que deu certo”, conta a coordenadora.

 

Silvia Badim avalia que a Diretoria da Diversidade está no caminho certo. “Temos sistematização do atendimento, contatos e rede de apoio, além de protocolo de atuação. Nossos registros são via Sistema Eletrônico de Informações (SEI), ou seja, tudo é formalizado e corre em sigilo. Atualmente, o tema mais sensível é a punição institucional dos agressores."

 

Para resolver essa e outras lacunas, o próximo passo é formalizar a política institucional de mulheres na UnB, que está em construção. “Pesquisamos práticas existentes e sistematizamos propostas para apresentar ao Conselho de Direitos Humanos da UnB (CDHUnB) e à comunidade. As iniciativas serão partilhadas e construídas conjuntamente”, indica a professora.

 

Apesar dos esforços positivos e dos avanços conquistados, a reitora Márcia Abrahão reconhece que as políticas institucionais voltadas às mulheres ainda estão fragmentadas. “Tem coisas fantásticas sendo feitas na UnB. Avançar na integração dessas ações é um desafio dessa gestão e um legado que tenho a obrigação de deixar como primeira reitora mulher desta Universidade. O Conselho de Direitos Humanos foi criado também para auxiliar nessa tarefa.”

 

Decana de Extensão e membra do Conselho, Olgamir Amancia confirma que o CDHUnB vai tratar as questões relacionadas aos direitos humanos, como políticas estruturantes e orientadoras de todas as ações da Universidade. “Daremos visibilidade às condições desiguais de setores historicamente minorizados – mulheres, indígenas, negros, imigrantes, LGBTs –, pautando o debate, enfrentando as assimetrias e valorizando as diferenças a partir de perspectiva interrogativa e crítica.” 

Letícia Maia, estudante de Ciências Sociais, participa do Coletivo Afetadas: "É fundamental que a UnB dê voz aos coletivos e às pessoas que sofrem, se abrindo às ações de convivência universitária e comunitária." Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

A comunidade universitária, sobretudo as alunas, têm demandas urgentes. As principais exigências são melhorias nas áreas de segurança e iluminação, instalação de fraldários em banheiros femininos e masculinos e, principalmente, elaboração de base normativa que responsabilize agressores com vínculo institucional.

 

Estudante de Ciências Sociais e membra do Centro de Convivência de Mulheres (CCM) da UnB, Isadora Fortes afirma que a continuidade do diálogo com o Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) e a destinação de espaço fixo para o CCM também são pautas prioritárias das alunas. A associação funciona provisoriamente em sala cedida pela Codim/DIV, no ICC Sul.

 

"O auxílio-creche para estudantes com filhos foi uma grande conquista nossa. Os movimentos feministas se fortaleceram e o papel dos coletivos é fundamental para se alcançar visibilidade. Queremos retomar os encontros com o DAC e esperamos empenho e compromisso da Universidade para atender nossas demandas”, comenta Isadora.

 

A professora Flávia Biroli reforça que a ausência de creche impacta diretamente as mulheres. Todavia, aponta que a vulnerabilidade não é apenas uma questão de gênero. “Contratos de trabalho precários e dificuldades com transporte, por exemplo, somam-se às dinâmicas da divisão sexual do trabalho, intensificando-as. O racismo cotidiano e institucional também coloca as mulheres negras em posição diferente das brancas, expondo-as a violências específicas.”

 

A dificuldade de oferecer respostas institucionais aos casos de violência e assédio sexual contra mulheres é uma das principais deficiências da UnB na opinião da docente Ela Wiecko, da Faculdade de Direito (FD). “Não podemos prescindir de regras que normatizem procedimentos administrativos e prazos, que descrevam fatos ou condutas e o que eles implicam. Não é uma perspectiva meramente punitiva, é segurança das pessoas. Preserva o direito do acusado e, principalmente, de quem procura proteção”, analisa.

 

Também procuradora do Ministério Público Federal, Ela ressalta a importância de a perspectiva de gênero ser transversal na construção das políticas de pesquisa, de extensão e de ensino. “As discussões não podem ser restritas às Ciências Humanas e Sociais. Precisam estar nas Engenharias, na Saúde e em todos os planos da Universidade.” 

 

Para instruir calouras sobre as violências às quais estão suscetíveis no ambiente universitário, estudantes mulheres de coletivos feministas elaboraram e distribuíram cartilhas neste início de semestre letivo. Foto: Reprodução

 

REDE DE APOIO – Além dos canais institucionais, as mulheres que procuram uma rede de acolhimento ou que desejam compartilhar experiências podem integrar iniciativas coletivas compostas, principalmente, por alunas da UnB. É o caso do Centro de Convivência de Mulheres.

 

A ideia do CCM concretizou-se após a ocupação de uma sala do Instituto Central de Ciências por mulheres, em 2017. “Um acúmulo de fatos intensificou, ao longo do tempo, a vontade de ter um espaço seguro: o assassinato da Louise, em 2016, casos de estupros e assédios na Universidade, falta de assistência social, econômica e até de infraestrutura para receber estudantes-mães. Discutíamos essas e outras questões nos centros acadêmicos, construímos estratégias. Assim surgiu a associação coletiva”, conta Isadora Fortes.

 

Letícia Maia faz parte do Coletivo Afetadas, criado em 2014 por alunas e professoras de Ciências Sociais após um aluno do curso ter sido acusado, por várias garotas, de tentativa de estupro. “Eu estava em aula na Antropologia, fui ao banheiro e vi um cartaz com foto escrito: estuprador. Voltei para a sala, olhei para o lado, e era o cara. A gente sempre acha que os agressores estão longe. E não estão. Pode ser seu amigo, seu professor, seu companheiro, seu parente. Eu quis fazer algo, então conheci o coletivo.”

 

A estudante relata que o grupo transformou seu olhar e sua trajetória acadêmica. Letícia se assumiu feminista, passou a se ver como sujeita dos processos, e as questões de gênero viraram tema de seus estudos. “Isso veio a partir do contato com o coletivo e com a pesquisa na área. E quanto mais eu mergulhava, mais eu via o quanto as mulheres são silenciadas, sem voz e estão à margem desse mundo.”

 

UnB POR ELAS – Integrando as ações de valorização da história da Universidade de Brasília e de quem ajuda a construir uma UnB Mais Humana, a Secretaria de Comunicação lança esta série especial que aborda o protagonismo feminino na instituição. Toda quinta-feira do mês de março será publicada uma reportagem inédita, com o objetivo de traçar um panorama sobre as políticas institucionais de apoio e proteção ao direito das mulheres, além de contar as trajetórias de alunas, técnicas, professoras e trabalhadoras terceirizadas e seus dilemas em busca de equidade de gênero. 

 

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