SUPERAÇÃO

Livre das drogas e do crime, estudante André Rocha Lemos inicia pesquisa em Bioética para ajudar ex-detentos

 

Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB

 

“Não me envergonho de falar. Minha história é pra ser conhecida!” 

 

André Rocha Lemos. Aos 11 anos, dentro da escola, conheceu o álcool. No ano seguinte, o paulista de Tatuapé teve contato com o crack e se tornou viciado. Com 17, cometia crimes e morava na rua. Assim que completou a maioridade, foi preso por tráfico quando já morava no Distrito Federal. A história que parecia fadada ao fracasso mudou com a ajuda de pessoas e dos livros. Recém-aprovado no doutorado em Bioética na Universidade de Brasília, hoje aos 39 anos, é casado, tem uma série de diplomas universitários e uma bela história de superação para contar.

 

A trajetória que renderia roteiro de filme teve inúmeros momentos dramáticos. Depois de fugir de casas de recuperação de jovens infratores, passar por delegacias policiais e cumprir pena em presídios estaduais, ele alcançou uma posição social a que não acreditava chegar. "Tinha dias que não comia, nem dormia. O que eu faturava nas ruas, comprava drogas e usava. Minha vida se resumia a isso", conta. Para manter o vício, guardava e lavava carros.

 

Para muitos, o fato de ele ser natural de família desestruturada, poderia determinar um futuro de crimes, prisões e morte precoce. André, porém, superou essa terrível expectativa. E, apesar de ter sido abandonado na infância, expulso do colégio por indisciplina e morado nas ruas de Brasília, ele alcançou um futuro que pode ser considerado heroico.

 

O estudante iniciou sua reabilitação ao ser recolhido na rodoviária do Plano Piloto pela Casa de Recuperação do Gama. Na instituição, de cunho religioso, ele teve a oportunidade de estudar, trabalhar e participar de ações sociais. Lá, conheceu uma pessoa "gentil e compreensiva" que fez toda diferença no seu processo de recuperação. "Fernanda, minha mulher, foi a responsável pela guinada que dei, na direção ao caminho do Bem. Ela me apoiou nos momentos mais difíceis. A ela, devo todas as minhas conquistas!", agradece. Esse encontro fundamental para a mudança de André rendeu dois filhos.

Ilustração: Anna Soares/Secom UnB

 

ESTUDOS - Até os 23 anos, André Lemos havia concluído apenas a 6a série. Hoje, tem duas graduações (Enfermagem e Radiologia), especialização e mestrado. Para pagar os estudos universitários, vendia doces nos ônibus de Brasília. Em 2016, iniciou o doutorado em Bioética. Atualmente, recebe bolsa de apoio à pesquisa oferecida pela Capes. O orientador da pesquisa, professor Volnei Garrafa, considera importante o percurso histórico do doutorando e o seu exemplo de vida. “Ele é um vencedor. Um sobrevivente. A história desse aluno, enriquece os estudos a respeito da exclusão social", declara.

 

Além de dar aulas e ministrar palestras em faculdades particulares, o doutorando André preside a Recomeçar, instituição sem fins lucrativos, que tem o objetivo de atender pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Sem qualquer apoio do governo, a instituição acolhe dependentes químicos, egressos do sistema prisional e menores infratores.

 

TESE – Prisão sem muros é o tema de doutorado do estudante em Bioética. André vai estudar as situações adversas que passam os egressos da Papuda, presídio masculino localizado no Distrito Federal. Ele pretende abordar as questões do preconceito, da discriminação e das dificuldades que o ex-presidiário precisa superar para se readaptar à sociedade. O desemprego, a exclusão social e a rejeição familiar estão entre os assuntos da pesquisa.

 

O futuro doutor é consciente de que pode e deve agir para que os discriminados socialmente consigam – como ele conseguiu - recuperar a autoestima e a cidadania.“É uma realidade que conheço bem. Com minha pesquisa, vou contribuir para retirar muitas pessoas das ruas e devolver-lhes a dignidade", profetiza.

 

RESSOCIALIZAÇÃO – No Brasil, mediante ordem judicial, são aplicadas medidas socioeducativas aos adolescentes autores de ato infracional. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê seis tipos de medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade, liberdade assistida e internação.

 

Para aplicar as sanções, o poder público dispõe de instituições especializadas. Nelas, o adolescente deve estudar, praticar esportes, ter lazer, apoio psicológico e, na medida do possível, um aprendizado profissional. No Distrito Federal, existem algumas dessas instituições (vide quadro). Nos presídios, destinados aos adultos, também são previstas ações para ressocializar os detentos.

 

Ilustração: Anna Soares/Secom UnB